A “Mortalidade Infantil” (MI), que ocorre desde o período neonatal até um ano de idade é considerado dos melhores indicadores para medir a qualidade de um sistema de saúde, possivelmente, o mais sensível e o mais usado em todo o mundo. A MI é usada para avaliar da atenção básica de saúde até as atividades terciária e quaternária do sistema de atendimento obstétrico e neonatal.
Sabemos que o retardo na opção pela maternidade bem como a fertilização “in vitro”, que aumenta a incidência de gestações e partos de gêmeos, aumenta o risco materno e exige maior cuidado e acompanhamento mais amiúde da gestante. Temos ambulatórios especializados em gestações de alto risco e que visam a melhor assistência ao parto nestas pacientes. O segundo nível de complexidade está relacionado à assistência ao parto.
No Brasil há um enorme trabalho no sentido de indicar cada vez mais partos vaginais. Esta não é uma tarefa simples e muitas vezes pouco entendida por pacientes e, por que não dizer, por médicos.
O parto por via alta, denominado “cesariana” tem maiores riscos por ser uma abordagem cirúrgica, com as suas eventuais complicações inerentes ao procedimento. Sem levar em conta, que muitas vezes ocorre prematuridade do recém-nascido, o que estende a sua permanência hospitalar. Importante aqui é lembrar que esta é uma etapa crítica e que deve ser muito bem cuidada, sem modismos ou preconceitos.
O parto deve ser feito em condições ideais para a mãe e ao bebê, e em condições de atendimento pronto e adequado em caso de complicações ou agravos à saúde de ambos. Como complemento às atividades de pré-natal e assistência ao parto, temos as unidades de terapia intensiva (UTI), tanto para as mães como para os bebês. Esta fase é de alta complexidade e exige estrutura e profissionais treinados e dedicados exclusivamente a este fim. É o que consideramos atividade terciária e quaternária deste sistema.
São as UTIs neonatais que garantem que crianças prematuras em vários graus, portadoras de más formações de várias ordens, infecções congênitas ou adquiridas no momento do parto e que possam colocar em risco a vida do RN, sejam adequadamente tratadas.
Na atenção básica, são feitos, após o nascimento, os controles de crescimento e desenvolvimento da criança no primeiro ano de vida bem como o controle da carteira vacinal fundamental à saúde da criança. Esta somatória de pré-natal, assistência ao parto adequado e os cuidados intensivos ao bebê (quando necessário), é que podem trazer a MI a níveis adequados e desejados. Estes níveis adequados, definidos pela OMS, são inferiores a 10 casos por 1000 nascidos vivos.
Em Campinas, este número tem sido frequentemente inferior a dez desde 2013. Gradualmente, viemos melhorando até atingir o menor nível no relatório apresentado no primeiro quadrimestre de 2020 que foi de 6.07/1000. Naquele quadrimestre, já em plena pandemia da SarsCov2, não tivemos mortes maternas reportadas ao nosso sistema de vigilância. Naquele momento, esta era a menor MI do Brasil, inferior a Curitiba e Florianópolis que tradicionalmente tem ótimos indicadores.
Em todo o ano de 2020, a MI foi de 8.06/1000, bastante aceitável para o momento vivido. Sem dúvida, nossa rede de atenção primária, nossas maternidades e nossas UTIs neonatais são os responsáveis por estes dados históricos da cidade. Como já escrevi em texto anterior, temos o privilégio de ter Hospitais de assistência materno-infantil de altíssima qualidade tanto na rede pública como privada.
Campinas realiza, em média, 20000 partos por ano, sendo que em torno de 15000 são cidadãs de Campinas e os restantes de cidades vizinhas. Entretanto, a manutenção deste indicador exige organização e constante vigilância.
No ano de 2021, tivemos uma piora da MI em nossa cidade. Não tenho dúvidas que, isto se deveu, principalmente, a absoluta interferência da pandemia no dia a dia de nosso sistema de saúde. Tivemos que canalizar muitos recursos materiais e humanos para o enfrentamento da pandemia que, infelizmente, foi muito mais agressiva no ano de 2021 comparado a 2020. Sem contar, com a própria contaminação de gestantes pelo vírus e consequente agravos sobre elas.
Enfrentar e vencer a pandemia, sempre foi a questão mais importante desde 2020. A própria rede de atenção primária ficou muito envolvida, e não poderia ser diferente, com o enfrentamento da pandemia. Para alcançar os indicadores de vacinação contra o SarsCov2 de nossa cidade, foi necessário colocar um número enorme de profissionais, praticamente todos os dias, nesta atividade.
O próprio isolamento e distanciamento social, afastou as gestantes de seus controles regulares e no número ideal de atendimentos e procedimentos. Outro fator que também tem o seu impacto foi a redução da cobertura vacinal das crianças, fato altamente preocupante. Isto vale para a MI e para a primeiríssima infância (até cinco anos de idade).
Neste ano de 2023, recebemos a ótima notícia de que Campinas reduziu a taxa de mortalidade infantil para 8,3 a cada grupo com 1 mil bebês nascidos vivos durante o 2º quadrimestre deste ano, entre maio e agosto.
Com esse resultado, a cidade voltou a ter dígito único para o indicador após ter finalizado o período de janeiro a abril deste ano em 11,4. A nova taxa de mortalidade infantil é inferior aos 9,63 contabilizados entre maio e agosto de 2022. A meta estipulada pela Administração Municipal para 2023 é de 9,99 (um dígito, portanto). A meta de Campinas é permanecer sempre abaixo de 10 e, com isso, se aproximar da média entre 8 e 9 alcançada por países considerados desenvolvidos.
Outra conduta absolutamente fundamental é a promoção de ações para incentivar o aleitamento materno, que contribui para evitar uma série de problemas de saúde da criança e garante proteção para a mãe contra doenças como o câncer de mama e diabetes tipo 2.
A gestação é um período que inspira muitos cuidados e a vacinação também reflete a qualidade do pré-natal. O atendimento às gestantes pelo SUS Municipal é feito em todos os centros de saúde.
Campinas conta ainda, desde 2015, com a Casa da Gestante no Jardim Guanabara, unidade de acolhimento para gestantes e puérperas (mulheres até 45 dias após o parto) que estejam em situação de rua com risco de saúde e vulnerabilidade social. A capacidade é para 20 mulheres e crianças. Um trabalho belíssimo feito em parceria com o Instituto “Padre Haroldo”.
A somatória de todos estes fatores faz com que haja a excelência em toda a assistência às gestantes e aos recém-nascidos fazendo com que a mortalidade infantil se mantenha em níveis baixos e adequados a nossa realidade.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.