Rara leitora, raro leitor, aprendi com um amigo baiano tal ditado. E muito quer dizer. Em que pese a generosidade do povo brasileiro, é uma máxima que bem qualifica o Brasil.
O Brasil é o país das desigualdades. Poucas Casas-grandes e muitas senzalas; uma “Belíndia” (uma mistura de ao mesmo tempo, a Bélgica rica e a Índia pobre). Pensamos ser um país de paz, mas vivemos a maior guerra civil de todas. Cerca de 60 mil pessoas morrem anualmente por armas de fogo.
Todos os problemas sociais do Brasil são resultado de decisões políticas (que não foram asseguradas somente pelos políticos).
A sociedade brasileira está de acordo com a pobreza, com a fome, com a extrema desigualdade. E pauta suas convicções nas leis e nas falácias.
No mesmo período em que se procura taxar os ricos e diminuir o peso dos impostos aos pobres – já vimos este filme antes – o Brasil apresenta melhorias significativas em reduzir a pobreza. São 27,4% dos brasileiros vivendo na pobreza, e 4,4% abaixo da linha de pobreza. Apesar da melhoria, são quase 70 milhões de pessoas, 1 em cada 3 brasileiros, aos quais não é assegurado a dignidade de viver bem.
São números escandalosos, imorais! É muita pobreza para suportarmos como sociedade! O que não muda é a vontade de não mudar!
Por que é tão difícil aprovar leis que taxem as grandes fortunas? Por que há um consenso em manter a pobreza? Sabemos muito bem que manter a população necessitada é uma forma de garantir votos. No mesmo caminho, a falácia da meritocracia ignora deliberadamente que a escravidão existiu; fecha os olhos para o racismo impregnado nas estruturas políticas, jurídicas e econômicas; omite que são necessárias políticas afirmativas e reparação histórica.
Ignoram que não há corrida justa e igual entre aquele que nasce em um bairro abastado e aquele outro que vem à vida na favela; na gestação este último já perdeu.
Faltaram-lhe proteínas, descanso, cuidados médicos, pré-natal, saneamento, água potável, calor social; sobraram para sua mãe e seu pai preocupações, falta de remédios, de boas calorias, de um teto sem goteiras, sujeira e preconceitos. Nos primeiros anos após o nascimento, a privação continuará: brinquedos, escola, parques, vacinas, cuidados. E assim seguirá a sua vida, sendo bombardeado com uma miríade de falácias de que ele pode vencer, de que só depende dele.
Poderá acabar nas drogas, no tráfico, nas bets, no Tigrinhos para tentar ser alguém na vida. Essa é uma narrativa já descrita muito bem pelos Racionais MC´s, em seu clássico “Negro Drama”. Pouquíssimos conseguem escapar deste destino. Não lhe foram dadas as oportunidades. É isso.
Os negros nunca foram realmente libertados das senzalas. As grandes cidades não acolhem quem constrói seus arranha-céus.
Se há disposição, é possível mudar. Independentemente de quem esteja no poder, é necessário uma vontade tremenda de lutar para transformar a realidade de mais de 70 milhões de brasileiros. De toda a sociedade!
Gustavo Gumiero é Doutor em Sociologia (Unicamp) e Especialista em Antigo Testamento – gustavogumiero.com.br – @gustavogumiero

 
			 
					






















