Para medir a qualidade de um sistema de saúde, existem inúmeros critérios e indicadores e cada um com o seu valor e suas limitações. Sem dúvida alguma, a “Mortalidade Infantil” (MI), aquela que ocorre desde o período neonatal até um ano de idade é o mais sensível destes indicadores e mais usado em todo o mundo. A MI é sensível para medir desde a atenção básica/primária de saúde até a atividade terciária e quaternária do sistema. A partir de dados da MI, podemos avaliar como está o atendimento pré-natal onde, pelo menos sete consultas e dois exames de ultrassonografia, devem ser realizados.
Nesta avaliação pré-natal, são controlados todos os parâmetros da saúde materna e fetal, havendo maior ou menor intervenção clínica ou medicamentosa. Na atenção primária, também são feitos os controles de crescimento e desenvolvimento da criança no pós-parto bem como a carteira vacinal fundamental a saúde da criança. Sabemos que o retardo na opção pela maternidade bem como a fertilização “in vitro”, que aumenta a incidência de gestações e partos de gêmeos, aumenta o risco materno e que exige maior cuidado e acompanhamento mais amiúde. Temos ambulatórios especializados em gestações de alto risco e que visam a melhor assistência ao parto nestas pacientes. O segundo nível de complexidade está relacionado à assistência ao parto.
No Brasil há um enorme trabalho no sentido de indicar cada vez mais partos vaginais. Esta não é uma tarefa simples e muitas vezes pouco entendida por pacientes e, por que não dizer, por médicos. A parto por via alta, denominado “cesariana” tem maiores riscos por ser uma abordagem cirúrgica, com as suas eventuais complicações inerentes ao procedimento. Sem levar em conta, que muitas vezes ocorre prematuridade do recém-nascido (que não deveria ocorrer), o que estende a sua permanência hospitalar. Importante aqui, é lembrar que esta é uma etapa crítica e que deve ser muito bem cuidada, sem modismos ou preconceitos.
O parto, como dizia o saudoso Professor Bussamara Nemi, é “uma linha muito tênue entre a vida e a morte” e deve ser “SEGURO”. O parto deve ser feito em condições ideais para a mãe e ao bebê, e em condições de atendimento pronto e adequado em caso de complicações ou agravos à saúde de ambos. Como complemento às atividades de pré-natal e assistência ao parto, temos as unidades de terapia intensiva (UTI), tanto para as mães como para os bebês. Esta fase é de alta complexidade e exige grande estrutura e profissionais treinados e dedicados exclusivamente a este fim. É o que consideramos atividade terciária e quaternária deste sistema.
São as UTIs neonatais que garantem que crianças prematuras em vários graus, portadoras de má formações de várias ordens, infecções congênitas ou adquiridas no momento do parto e que possam colocar em risco a vida do RN, sejam adequadamente tratadas. Esta somatória de pré-natal e assistência ao parto adequados mais os cuidados intensivos ao bebê, é que podem trazer a MI a níveis adequados e desejados. Estes níveis adequados, definidos pela OMS, são inferiores a 10 casos por 1000 nascidos vivos.
O Brasil, a partir da implantação do SUS no início da década de 1990, realizou um extraordinário trabalho para a redução da MI no país. Dados do Ministério da Saúde demonstram que entre 1990 a MI caiu de 47.7/1000 para 26.1/1000 em 2000 e 16.0 em 2010. A partir daí esta queda foi menor e chegamos em 2019, últimos dados gerais publicados, a 13.3. Este número ainda não é bom. Ele mostra que precisamos avançar para melhorarmos os três níveis de assistência e baixarmos para menos de 10. A posição do Brasil no mundo é intermediária, superior aos países da África, Oriente Médio e muitos asiáticos, mas ainda inferior a maioria dos países da Europa e América do Norte (exceção ao México).
Em Campinas, este número tem sido inferior a dez desde 2013. Gradualmente, viemos melhorando até atingir o menor nível no relatório apresentado no primeiro quadrimestre de 2020 que foi de 6.07/1000. Naquele quadrimestre, já em plena pandemia da SarsCov2, não tivemos mortes maternas reportadas ao nosso sistema de vigilância. Naquele momento, esta era a menor MI do Brasil, inferior a Curitiba e Florianópolis que tradicionalmente tem ótimos indicadores.
Em todo o ano de 2020, a MI foi de 8.06/1000, bastante aceitável para o momento vivido. Sem dúvida, nossa rede de atenção primária, nossas maternidades e nossas UTIs neonatais são os responsáveis por estes dados históricos da cidade. Temos o privilégio de ter Hospitais de assistência materno-infantil de altíssima qualidade tanto na rede pública como privada. Campinas realiza, em média, 20000 partos por ano, sendo que em torno de 15000 são cidadãs de Campinas e os restantes de cidades vizinhas. Entretanto, a manutenção deste indicador exige organização e constante vigilância. Neste ano de 2021, tivemos uma piora da MI em nossa cidade.
Não tenho dúvidas que, isto se deve, principalmente, a absoluta interferência da pandemia no dia-a-dia de nosso sistema de saúde. Tivemos que canalizar extraordinários recursos materiais e humanos para o enfrentamento da pandemia que, infelizmente, foi muito mais agressiva neste ano de 2021 comparado a 2020. Sem contar, com a própria contaminação de gestantes pelo vírus e consequente agravos sobre elas. A mortalidade materna neste quadrimestre foi de seis gestantes sendo quatro mortes por COVID-19. Enfrentar e vencer a pandemia, sempre foi a questão mais importante desde o ano passado. A própria rede de atenção primária ficou muito envolvida, e não poderia ser diferente, com o enfrentamento da pandemia.
Para alcançar os indicadores de vacinação contra o SarsCov2 de nossa cidade, foi necessário colocar um número enorme de profissionais, praticamente todos os dias, nesta atividade.
O próprio isolamento e distanciamento social, afastou as gestantes de seus controles regulares e no número ideal de atendimentos e procedimentos. Outro fator que também tem o seu impacto foi a redução da cobertura vacinal das crianças, fato altamente preocupante. Isto vale para a MI e também para a primeiríssima infância (até cinco anos de idade). Creio que o alerta está dado e entendido. Temos que retomar nossas vidas com todos os cuidados que a pandemia ainda exige, mas cuidarmos para retornarmos ao ciclo virtuoso da saúde pública onde a MI é o seu melhor indicador.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020.