Pesquisas de alguns anos – como a realizada pela Unesp Botucatu em 2012 – já mostravam que o mosquito da dengue estava se tornando mais resistente aos inseticidas tradicionais, mas o que os especialistas estão concluindo agora é que, além disso, ele vem ganhando uma nova característica. O inseto mudou de comportamento, segundo Natalia Ferreira, a diretora-geral da Oxitec do Brasil, uma empresa de biotecnologia especializada em soluções biológicas para o controle de pragas.
Segundo ela, o mosquito da dengue passou a depositar ovos em volumes cada vez menores de água e que não precisam estar completamente limpos – condição que até bem pouco tempo atrás era essencial para a reprodução. Desta forma, vem ganhando novas possibilidades de sobrevivência e se tornando uma ameaça cada vez maior à saúde humana.
“Qualquer objeto que represe água serve de criadouro para o mosquito, incluindo cascas de frutas, telhas mal encaixadas e até tampinhas de garrafa”
Todo e qualquer objeto que represe água serve de criadouro para o mosquito, incluindo cascas de frutas, telhas mal encaixadas e até tampinhas de garrafa, pode ser usado como criadouro, diz a especialista. Por isso, a atenção quanto à higiene e ao cuidado de locais que frequentamos devem ser constantes.
Em Campinas, o número de casos de dengue subiu 51% ao longo do mês de abril, segundo balanço divulgado pela secretaria de Saúde. De acordo com o informe, de 27 de abril, a cidade contava com 800 casos da doenças. No dia oito do mesmo mês de abril, eram 529 casos reportados. Segundo o Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), 80% dos criadouros estão dentro de casa, por isso, a luta contra a dengue exige uma contrapartida da sociedade.
Especialista
A especialista diz que o Aedes aegypti é uma espécie de mosquito que se adapta facilmente ao ambiente urbano e já apresenta um alto nível de resistência aos métodos de controle tradicionais, como os inseticidas químicos. Isso se dá devido à variabilidade genética natural de determinada população de mosquitos. Alguns são suscetíveis ao produto e outros não.
Sendo assim, aqueles que sobreviverem à aplicação, realizam o cruzamento entre si e, ao longo das gerações, os descendentes deixarão de ser suscetíveis. Em linhas gerais, o produto inicialmente utilizado para o controle tende a não surtir mais efeito.
Epidemias
De acordo com Natalia Ferreira, as epidemias de dengue surgem quando uma combinação de fatores acontece ao mesmo tempo: abundância do mosquito (ou do número de mosquitos fêmeas por pessoa), as condições climáticas, o número de sorotipos da dengue que circulam na área e a proporção da população imune a esses sorotipos.
“Geralmente, depois de alguns anos de controle do mosquito, a porcentagem da população imune ao vírus diminui, tornando-a coletivamente propensa a uma epidemia. Nestas condições, bastam um clima quente e chuvoso, a circulação de ao menos um sorotipo dos quatro existentes para a dengue e o aumento no número de mosquitos fêmeas por habitante para se ter um aumento rápido no número de casos”, diz ela.
“Outro ponto importante é que este ano, com mais famílias em casa, com a preferência das fêmeas por uma alimentação diurna e com a capacidade cada vez maior de o Aedes aegypti procriar em qualquer lugar em que exista um pouco de água, tivemos a condição ideal para o crescimento do número de casos”, afirma a diretora.
“O meio urbano, especialmente as residências, com ampla oferta de alimento e locais de reprodução, exige menos energia do mosquito, e ele consegue viver mais e contribuir ativamente para a infecção de mais pessoas”, finaliza ela.
Indaiatuba é exemplo no controle da doença
A Secretaria Estadual de Saúde divulgou no final de abril, os números relativos aos casos de dengue em toda Região Metropolitana de Campinas (RMC) e classificou Indaiatuba como a cidade com o menor número de casos entre os munícipios com mais de 200 mil habitantes. Os dados foram analisados entre os dias 1º de janeiro e 28 de abril de 2021 (Sinan).
Indaiatuba registrou menor número de casos entre as cidades com mais de 200 mil habitantes
Indaiatuba, com uma população estimada em 256 mil habitantes (IBGE), apresentou ao todo 19 casos de dengue no período, número inferior a Americana que registrou 71 casos positivos, Hortolândia com 160, Sumaré com 182 e Campinas com 880 registros confirmados para a dengue.
Comparado os dados coletados de todas as cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), Indaiatuba tem a 3ª menor incidência em número de casos com uma média de 7,41 registros positivos a cada 100 mil habitantes. Morungaba (7,25) e Itatiba (0,81) foram as duas únicas cidades que apresentaram médias inferiores a Indaiatuba, lembrando que a população dos dois municípios é de 13.781 e 122.581 habitantes respectivamente.
Projeto-piloto entra na 2ª temporada na cidade
A Oxitec Brasil – que ganhou notoriedade em 2015, quando produziu a primeira geração de mosquitos Aedes aegypti geneticamente modificados e que foram liberados em bairros da cidade – mantem um projeto-piloto em Indaiatuba, na região metropolitana de Campinas já na segunda temporada.
Primeira temporada em Indaiatuba registrou 95% de eficácia, diz empresa
A primeira ocorreu em 2019\2020 e, após 13 semanas, a empresa garante ter atingido 95% de eficácia no controle da população de mosquitos. A temporada 2020-2021 ainda está em processo mas, de acordo com a empresa, tem apresentado níveis semelhantes de sucesso.
A tecnologia foi batizada de “Aedes do BemTM” e é uma solução baseada na liberação no ambiente, de insetos machos com um gene autolimitante. Eles não picam e portanto não transmitem doenças, mas quando soltos no ambiente urbano, buscam ativamente as fêmeas selvagens, cruzam com elas, e todos os descendentes fêmeas desse cruzamento morrem ainda em fase de larva.
O resultado dessa estratégia, associada ao engajamento da população, é simples: somente os machos sobrevivem, carregando consigo a característica autolimitante e a transmitindo para seus descendentes machos por oito a dez gerações. Assim, a população de insetos vetores de doenças é reduzida consideravelmente na região.