Pouco mais de uma semana após o início dos ataques militares russos contra a vizinha Ucrânia, a situação ainda segue indefinida no Leste Europeu, sem uma previsão de quando os ataques devem cessar. Especialista aponta que o presidente russo Vladimir Putin é imprevisível e que o prolongamento do conflito pode dar origem a grupos guerrilheiros. A incerteza paira sobre esse conflito bélico em pleno século 21,
De acordo com o jornalista Roberto Godoy, especialista em Assuntos Estratégicos e Tecnologia Militar, e repórter especial do jornal O Estado de São Paulo, a guerra já tem um vencedor do ponto de vista militar: a Rússia.
“Em números absolutos, o arsenal dos dois países é muito diferente. É o que chamamos de guerra assimétrica. O poderio militar da Rússia é muito superior. Mas não esperavam, sem dúvida, o tamanho da resistência ucraniana”, pontua o jornalista, radicado em Campinas.
Dois fatores explicam esse cenário: o primeiro é a motivação ucraniana. De acordo com o analista, “é muito grande a motivação da população defendendo seu estado nacional”. O segundo, afirma, é a qualidade da tropa. “As forças ucranianas têm muita qualidade”, pontua. Ele avaliou o conflito a pedido do Hora Campinas.
Segundo o jornalista, independente da força que os dois lados fizerem, o resultado já está mais ou menos definido. “Fica claro que os dois lados envolvidos podem fazer a força que quiserem, mas o resultado já está mais ou menos definido para a Rússia. A questão é o tamanho da dificuldade para atingir o objetivo e o custo efetivo. Custo financeiro, moral, social e perda de vidas, é tudo muito caro”, avalia.
Ele aponta que há pelo menos duas décadas a Rússia vem investindo pesadamente na reorganização das Forças Armadas, em equipamentos, modernização tecnológica, treinamento e qualidade de pessoal.
“Putin herdou um Exército de 1,3 milhão de homens e mulheres, mas hoje são 900 mil. É uma diminuição significativa, mas houve requalificação, é um pessoal mais adequado. Por exemplo, um operador de carro de combate – nome técnico dos tanques de guerra, ele não apenas dirige, ele é especialista em mecatrônica. Por que ele opera uma máquina de mais de 45 toneladas, que é pesadamente eletrônico, com um canhão de 125 mm. O tanque moderno é um sistema terrestre de armas”, explica o jornalista.
“Esse canhão enorme é capaz de fazer oito disparos sequenciais. Ele fecha a pontaria no alvo, ainda que o alvo se movimente, o computador continua focado. É sofisticado e exige gente sofisticada para operar”, ressalta.
Mas Roberto Godoy não despreza as forças ucranianas, ao contrário. “Tem forças muito preparadas de um lado, e do outro forças bem preparadas e motivadas. Por isso, a resistência. A resistência surpreendeu Putin. A Ucrânia tem tradição militar milenar. Ela é uma potência militar europeia desde que era um principado, em 1980. É uma linha do tempo significativa”, aponta.
Armas nucleares
O jornalista avalia que a Rússia pode vencer o confronto a qualquer momento, isso sem precisar utilizar todo seu potencial bélico.
“Nas regiões de conflito já tem quase 200 mil homens e mulheres, mais os equipamentos que foram levados, isso é suficiente para ganhar a guerra a qualquer momento, mas será uma vitória sofrida”, ressalta.
Por conta disso, o repórter especial do Estadão avalia que as armas nucleares não devem entrar em ação nesse conflito, mas ao mesmo tempo não descarta a possibilidade, lembrando que o presidente russo é imprevisível.
“É possível o uso nuclear, mas não é provável. Putin é o rei em fazer coisas que todos dizem que ele não faria. Todos diziam que ele não mexeria com a Crimeia, mas ele foi lá e invadiu. Agora invadiu a Ucrânia. Diziam que ele não ia mobilizar o arsenal nuclear, mas ele mobilizou. Se o conflito se multiplicar, será mundial, nuclear e de altíssima destruição. Não tenha dúvida: será mortal. O arsenal é gigantesco”, aponta.
O especialista em tecnologia militar afirma que o arsenal nuclear é formado por uma tríade: os mísseis continentais, os mísseis embarcados em submarinos e as bombas guiadas por avião. Sendo que a dos submarinos seria a mais perigosa, pois são quase indetectáveis e extremamente destruidores.
“O principal submarino russo é da classe Borei e leva 16 mísseis Bulava. Cada um deles tem 16 casas atômicas independentes, cada um tem 150 kilotons, que é a potência. Cada kiloton equivale a mil toneladas de um explosivo como a TNT, por exemplo. Um único míssil pode ser lançado contra vários alvos independentes, ou seja, são 96 casas independentes em um único submarino”, explica.
Ele ressalta que o poder destrutivo é muito grande também pela distância dos alvos. “O submarino pode estar a 300 quilômetros do Litoral e querer destruir uma cidade a 500 quilômetros da costa, o que dá 800 quilômetros de distância, e cada um desses misseis cobre 11 mil quilômetros. O submarino lança o míssil, vai embora e o sistema antimíssil praticamente não funciona”, alerta
O especialista lembra que o presidente russo mobilizou totalmente o armamento nuclear.
“Não dá para saber se é blefe, se é só demonstração de força. Isso fica para a avaliação de cada um, mas a gente está longe de ver um desfecho. A guerra se prolongará e pode dar início à questões de guerrilha, com civis usando armas de caça. Um número significativo de pessoas está levando a família para fora do país e voltando para combater as tropas russas, atendendo ao apelo do presidente. Pessoas fazendo coquetel molotov. O espírito de resistência é grande”, conclui.