A psicanálise descreve a mente como um espaço simbólico onde desejos inconscientes ecoam por corredores internos. Quando ansiedade e angústia emergem, esses corredores tornam-se um verdadeiro labirinto, sem mapa visível para o sujeito. Freud comparava a angústia ao “sinal” de um perigo interno como sendo a ruptura entre o Eu e suas pulsões recalcadas. Já a ansiedade, numa chave contemporânea, pode ser entendida como a antecipação constante de ameaças ainda não nomeadas. Ambas convergem para uma experiência de confusão mental, na qual cada bifurcação parece prometer alívio, mas entrega apenas mais incerteza. Hoje a reflexão que lhe proponho diz respeito a ansiedade e a angústia mental inconsciente vista como que um labirinto ao qual nosso Eu está nele inserido. Você aceita pensar sobre isso comigo?
No mito de Dédalo, muito famoso na área da psicanálise (área na qual atuo clinicando), o labirinto foi construído para conter o Minotauro. Na psique, essa criatura representa conteúdos inconscientes reprimidos.
O sujeito ansioso corre, exausto, tentando evitar esse encontro, enquanto o angustiado sente-se já frente a frente com a fera. Lacan situou a angústia fora da cadeia significante: ela não engana, ela é real demais para simbolizar. Dentro do labirinto, o angustiado percebe cada parede como um espelho opaco que devolve apenas silêncios, enquanto a ansiedade preenche os corredores com ruídos e projeções futuras, hipóteses e catástrofes imaginadas.
O Eu tenta organizar esse caos, mas seu compasso gira em falso, como Teseu sem o fio de Ariadne. No divã, o analista convida o sujeito a escutar as próprias pegadas e reconhecer os ecos como vozes do desejo. A cura, então, não é demolir o labirinto, mas cartografá-lo: nomear angústias, situar ansiedades, criar trilhas simbólicas. Winnicott lembrava que a função do ambiente é oferecer sustentação; sem ela, o labirinto colapsa em buracos sem saída. A função de holding analítica funciona como um chão firme, onde o sujeito pode, enfim, parar de correr.
Cada interpretação é um tijolo retirado ou reposicionado, alargando passagens outrora claustrofóbicas. O labirinto existe porque o inconsciente precisa de formas para esconder e, paradoxalmente, revelar seus enigmas.
Quando a ansiedade domina, o corpo responde com taquicardia, sudorese, respiração curta — sinalizando que a saída ainda não se mostra. Na angústia, o corpo pode ficar imóvel, como quem encosta à parede e escuta o passo do Minotauro se aproximando. A clínica ensina que não se deve buscar atalhos, mas sustentar o olhar sobre cada curva psíquica. Ao reconhecer o contorno dos próprios medos, o sujeito descobre que algumas paredes eram apenas portais mal iluminados.
O fio de Ariadne, hoje, pode ser entendido como a função simbólica da linguagem: narrar o labirinto para não sucumbir a ele. Cada palavra dita é uma marca no chão, permitindo retornos, revisões, escolhas novas. Contudo, muitos se perdem na profusão de discursos externos, redes sociais, exigências de desempenho, vozes que ampliam a ansiedade. A psicanálise propõe desconectar-se desse burburinho para ouvir o rumor interno, menos estridente, mas mais verdadeiro. No fundo do labirinto, o encontro com o Minotauro não é destruição, mas possibilidade de integração. Quando o sujeito suporta esse encontro, a angústia pode se converter em insight: “Aquilo que temo é parte de mim.”
A ansiedade diminui, pois o futuro deixa de ser um inimigo desconhecido e se torna campo de ação. A partir daí, cada corredor ganha placas: desejo, limite, responsabilidade, prazer. O labirinto permanece, mas agora serve a um propósito criativo; esconderijos transformam-se em oficinas de significado.
A travessia não é linear; recaídas existem, paredes se movem, novas angústias surgem. Porém, o sujeito dispõe agora de um fio simbólico que lhe permite voltar ao centro sem desespero. A confusão mental torna-se experiência de autoconhecimento, e não apenas desorientação.
Como concluiu Lacan, não se trata de adaptar-se ao labirinto, mas de reinventá-lo sem cessar. Na vida cotidiana, isso significa negociar prazos, afetos e perdas, sabendo que cada decisão risca novas trilhas. O analista permanece como testemunha e cartógrafo auxiliar, lembrando que a bússola interna existe e funciona. Entre angústia e ansiedade, desenha-se um espaço de criação: o sujeito escreve sua própria saída. Essa escrita não apaga a dor, mas a transforma em narrativa habitável. A angústia sinaliza profundidade; a ansiedade aponta movimento; juntas, instigam a busca por sentido. No fim, descobre-se que o labirinto não é prisão, mas metáfora do processo psíquico de viver. E viver, na visão psicanalítica, é tolerar o não sabido, sustentar o desejo e prosseguir mesmo sem garantia de chegada. O sujeito que aceita essa condição encontra uma liberdade inusitada: pode escolher quais paredes pintar, quais portas abrir. A confusão mental se dilui quando o mapa interno deixa de ser proibido e passa a ser explorado com curiosidade.
Ansiedade e angústia não desaparecem por completo, continuam como guardiãs que lembram a fragilidade e a potência do humano. O que muda é a postura: de fugitivo a explorador, de vítima a autor da própria narrativa labiríntica.
Assim, cada passo torna-se um ato simbólico de constituição do Eu. O labirinto, antes temido, revela seus salões de espelhos, onde o sujeito pode contemplar múltiplas versões de si. Escolher uma, ainda que temporariamente, é exercício de liberdade e responsabilidade psíquica. A psicanálise não promete uma saída final, mas oferece um método para caminhar sem se perder de si mesmo. E é nesse movimento constante, entre paredes, curvas e revelações, que a vida psíquica encontra sua própria arte de existir.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL) – Instagram @institutopontes_oficial











