Todos os dias, o ritual é o mesmo. Antes de sair de casa para o trabalho, Aparecida Vicentini Rodrigues senta-se na cama, segura a foto da filha e faz uma oração. Suas preces a Deus seguem clamando por algum indício que comprove que Érika Rodrigues estava no veículo que caiu no Córrego Piçarrão, naquele 16 de março de 2015, após uma forte chuva que abateu Campinas.
Já são nove anos sem uma resposta definitiva que possa confortar o coração de Aparecida e de toda a família. “Não perdi as esperanças. Todos os dias rezo para ter, ainda em vida, uma notícia de que encontraram qualquer pertence dela”, diz Aparecida, hoje com 71 anos.
O caso ganhou enorme repercussão na época. Érika tinha 38 anos e estava grávida de três meses. Seu carro foi encontrado no dia 17 de março, quando o nível da água abaixou. As buscas duraram cerca de três semanas e bombeiros de Campinas e Piracicaba percorreram quase 30 quilômetros em busca do corpo ou de algum vestígio. Nada foi encontrado.
Além de conviver com a dor da perda, também sem respostas por parte da polícia, a família enfrenta até hoje a morosidade dos trâmites judiciais. O pagamento do seguro do veículo Ford Ka e o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS ainda seguem represados judicialmente na conta de Érica (leia abaixo).
A psicóloga trabalhava em uma empresa no Jardim do Lago e fazia diariamente o trajeto até a Vila Teixeira, onde buscava o marido William Barros no trabalho. Naquele dia de março chovia muito e uma das últimas mensagens que Érika teria trocado com marido foi de que esperaria o volume de água diminuir para seguir o trajeto.
Acredita-se que ela tenha tentado atravessar a ponte sobre o Piçarrão, na altura da Avenida Dr. Carlos de Campos e, então, o veículo foi arrastado para dentro do córrego. Essa probabilidade, para a mãe Aparecida, não se sustenta até hoje. “Minha filha sabia que ali inundava, e jamais atravessaria a ponte”.
Alegria na convivência com a filha
Os dias ao lado da filha antes do seu desaparecimento foram de muita alegria. Dona Cida, como é carinhosamente chamada pelos colegas de trabalho, tinha saído de férias da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) – onde está como copeira há 11 anos – e curtia a recente notícia de que seria avó pela primeira vez.
“No meu primeiro dia de férias fomos a uma clínica no shopping Dom Pedro fazer seu primeiro exame de ultrassom. Não conseguiu saber o sexo pois o bebê estava com as perninhas cruzadas. Mesmo assim, comprei a foto do exame e fiz uma surpresa para ela. Ela estava tão feliz”, lembra Cida.
Dali até o último contato com a filha foram pouco mais de 10 dias de convívio. Cida relata que Érika estava muito feliz no trabalho. Falava pouco da vida pessoal, mas era uma pessoa super extrovertida. “No dia que ela sumiu, a gente tinha combinado de se encontrar para almoçar. Estava tudo normal”, relata a mãe.
“O que mais dói é não ter um pertence dela encontrado até hoje. Ninguém pode falar que a pessoa está morta se não tem um corpo. Fomos na delegacia e disseram que se tivéssemos qualquer nova evidência, que apresentássemos”.
Dona Cida contesta a efetividade nas investigações conduzidas pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) de Campinas. “Muitas perguntas seguem sem resposta. Minha filha era uma pessoa simples, sem sobrenome de peso. Se fosse ao contrário, acredito que haveria mais empenho dos investigadores”, critica.
O caso foi conduzido pelo delegado Rui Pegolo. Em uma de suas últimas declarações na imprensa sobre as investigações, em 2017, afirmou que todas as hipóteses foram investigadas, e que estava descartado o envolvimento de uma segunda pessoa no desaparecimento.
O Hora Campinas pediu novos esclarecimentos sobre o caso junto à Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-), mas até esta publicação os questionamentos não foram respondidos.
Justiça lenta
Dois anos depois do desaparecimento de Érika, a família conseguiu na Justiça a declaração de morte presumida, ou seja, um procedimento legal para atestar o falecimento de vítimas de acidentes cujos corpos não foram encontrados após o encerramento das buscas.
De acordo com a advogada Viviane Gomieri Morales, amiga da família, o pagamento do seguro veicular de Érika foi realizado em depósito judicial em outubro do ano passado. “Embora a gente tenha tido que entrar com um processo separado contra a seguradora, porque no inventário a empresa contestava que não tinha recebido o carro”, explicou a advogada.
Segundo Viviane, desde o dia 5 de dezembro – data em que foram entregues os últimos documentos exigidos pela Justiça – o processo não teve mais movimentação. “A gente segue aguardando para que esses valores sejam liberados, e eles (Dona Cida, o pai de Érika e o marido) possam ter pelo menos algum valor em dinheiro para receber no processo. Nove anos, uma tristeza. A Justiça nos decepciona bastante nesse ponto”, lamenta a advogada.
A reportagem tentou falar com o marido de Érika, mas as ligações no número fornecido não foram atendidas.