Nos últimos meses, o mundo voltou seus olhos para a nova fase da política comercial americana, reacendida por Donald Trump e seus discursos inflamados em defesa da indústria nacional. Em sua tentativa de proteger o mercado interno, o presidente americano colocou em prática uma série de tarifas sobre produtos importados, atingindo desde commodities agrícolas até bens tecnológicos. Essa medida, apesar de ser apresentada como um escudo para a economia americana, tem efeitos colaterais globais — e o Brasil, querendo ou não, está nesse tabuleiro.
Esse aumento das tarifas e a consequente valorização do dólar, embora pareçam movimentos restritos ao mercado internacional, têm potencial de atingir diretamente o mercado de crédito brasileiro. Com a elevação dos custos de captação externa, preferencialmente em dólar, empresas brasileiras — em especial as pequenas e médias — podem enfrentar um encarecimento no acesso a financiamento. Além disso, se a inflação americana seguir pressionada, o Federal Reserve pode optar por juros ainda mais altos, o que afeta o fluxo global de capitais e pressiona o Banco Central brasileiro a manter uma postura mais conservadora. Resultado: crédito mais caro e escasso aqui dentro, justamente quando a economia precisa de estímulo. Em outras palavras, o que começa como uma guerra comercial lá fora pode acabar apertando o bolso do empreendedor aqui dentro.
Investidores globais tendem a buscar segurança em ativos americanos, reduzindo a disponibilidade de recursos para países periféricos. E o crédito, que é uma das principais alavancas para o crescimento econômico, se torna um recurso ainda mais seletivo e restrito.
Além disso, a volatilidade cambial pode ampliar, pressionando os preços dos insumos importados, afetando diretamente a cadeia produtiva nacional. Empresas com margens mais apertadas, sobretudo no setor industrial, passariam a enfrentar dificuldades para manter competitividade, comprometendo investimentos futuros e a geração de empregos. Assim, o tarifaço norte-americano ultrapassa fronteiras e evidencia como as decisões sobre a política comercial dos EUA provocam uma reação em cadeia que chega até o bolso do consumidor e às engrenagens do mercado de crédito brasileiro.
Mesmo enfrentando problemas com o crédito, existe um cenário mais otimista para o mercado brasileiro. Ao tornar produtos estrangeiros mais caros, os produtos americanos ganham competitividade dentro do próprio país. Enquanto países como China e Índia passaram a enfrentar barreiras tarifárias que ultrapassam 60%, o Brasil, junto com Austrália e Reino Unido, foi relativamente poupado — com taxas em torno de 10%. Uma diferença considerável, que, ao invés de castigo, pode ter aberto uma brecha de oportunidade.
Diante desse cenário, muitos governos adotaram posturas retaliatórias. O Brasil, por exemplo, tentou sinalizar uma defesa da sua soberania nacional, mas de maneira um tanto impulsiva, sem avaliar cuidadosamente as consequências de longo prazo. No fim, foi mais uma ação voltada para o público interno do que uma estratégia real de comércio exterior. Em vez de aproveitar a posição relativamente confortável (por ser menos tarifado), acabamos arriscando perder espaço justamente quando poderíamos avançar.
Com a China restringindo a compra de carne de frigoríficos americanos, por exemplo, o Brasil poderia — e deveria — estar de olho nesse vácuo. Mais do que nunca, o gigante asiático pode olhar para nós como uma alternativa viável. Isso vale ouro, literalmente. Em um mundo onde commodities agrícolas e alimentos ditam o humor da inflação global, essa demanda chinesa pode aquecer a nossa balança comercial.
Mas há um lado interno ainda mais interessante: a guerra tarifária pode acabar ajudando o Brasil a conter a própria inflação. Se exportar deixa de ser tão lucrativo por conta das incertezas e dos custos, boa parte da produção permanece aqui, aumentando a oferta de alimentos no mercado interno. E quando isso acontece, os preços tendem a baixar. Um verdadeiro presente para o presidente Lula e para o Banco Central, que vêm enfrentando dificuldades em segurar a inflação — especialmente com o estímulo ao crédito e programas como o do uso do FGTS como garantia, que têm um viés inflacionário.
No entanto, há um risco grande de o Brasil perder o timing. Temos a faca e o queijo na mão, mas falta apetite estratégico. Ficamos tão focados em responder à altura as provocações que esquecemos que, desta vez, talvez a melhor resposta seja o silêncio e a eficiência comercial. Oportunidades não batem à porta duas vezes, especialmente no comércio internacional.
No fim das contas, essa guerra tarifária não parece ser o objetivo em si, mas uma cartada de curto prazo que busca forçar negociações futuras. Um jogo perigoso, que machuca no começo, mas que, na visão de Trump, pode gerar acordos melhores no longo prazo. O problema é: o mundo inteiro também sente esse impacto — e o Brasil, se não for esperto, pode desperdiçar mais uma chance de virar protagonista no cenário global.
Neste momento, é impossível afirmar se o Brasil vai tirar vantagem da Guerra Comercial iniciada pelo tarifaço de Donald Trump. É preocupante a maneira como o mercado de crédito vai se comportar nesse período de instabilidade, mas existe uma janela de oportunidades que não pode ser ignorada.
A guerra das tarifas, por mais caótica que pareça, abriu uma fresta de luz para o Brasil. Cabe a nós decidir se vamos atravessar essa porta ou se vamos, mais uma vez, tropeçar no próprio ego. No xadrez da geopolítica econômica, quem vence não é quem grita mais alto, mas quem movimenta as peças com estratégia. E, neste momento, o tabuleiro está nos favorecendo.
Leonardo Rocha é economista e CFO da AG Antecipa.