São muitos os artigos de opinião para discutir o que está acontecendo no Sul do país. Junto com uma série de mentiras que afloraram mais rápido do que as enchentes, há também a discussão séria para avaliar os eventos climáticos extremos e a necessidade de uma nova abordagem urbanística para nossa sobrevivência. Mesmo assim, abusando do trocadilho, é chover no molhado contribuir com algumas reflexões adicionais.
Sabemos que a qualidade do Legislativo brasileiro só vem piorando a cada eleição e a passagem da boiada ambiental foi apenas mais um dos retrocessos. Além disso, nas questões de emergência climática, o Congresso Nacional está marcado pela inércia. Se o Parlamento reflete o povo que o elege, somos suicidas em massa.
Hoje é o Rio Grande do Sul a vítima da vez, mas a tragédia está anunciada para acontecer aqui em nossa cidade.
O calor intenso leva a casos de desidratação, o tempo seco a aumento de doenças respiratórias e, mesmo assim, continuamos a atear fogo em terrenos, matos e lixo. A chuva, quando vier aqui, encontrará um solo impermeabilizado, sem áreas de várzea para atuar como dreno ou esponja para a água. Inundações tão severas quanto aquelas no Sul acontecerão – a dúvida é apenas quando e onde.
A ciência foi negligenciada na pandemia e não foi ouvida quanto aos alertas aos eventos climáticos extremos. Em face da tragédia no Sul do país, muitos apregoam a necessidade de uma nova abordagem no urbanismo predatório e impermeabilizante, mas refutam em destinar mais recursos para a ciência e tecnologia. Em São Paulo, por exemplo, o governador aproveita para tentar, mais uma vez, reduzir os recursos das universidades paulistas e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O negacionismo faz escola.
Gostaria de ter o otimismo comedido de alguns analistas que veem a tragédia no Rio Grande do Sul como um “potencial para furar bolha do negacionismo”. Porém, o que vejo é o acirramento da aposta na polarização nas redes sociais que sou obrigado a frequentar, ditas de movimentos “culturais” da cidade.
O negacionismo custou pelo menos meio milhão de vidas na pandemia. Agora, vão usar os bilhões necessários para a reconstrução do RS na conta do proselitismo político e ainda endireitar ainda mais as prefeituras gaúchas.
Por fim, há culpados, sim, e havia conhecimento para diminuir a tragédia. Mas o momento é de solidariedade e fica uma trova como alento: O ser humano não muda, / e em forte angústia eu anseio / que, sem tardar, chegue a ajuda, / pois a água encontra seu meio.
Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador da Unesp, membro da Academia de Letras de Lorena, da Academia Campineira de Letras e Artes e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas.











