Neste outubro, mês que a maioria católica (50% da população) do País comemora o dia da padroeira, Nossa Senhora Aparecida, vamos refletir sobre os sentimentos maternos.
A mãe principal dos religiosos, a Virgem Maria, tem várias versões regionais, inclusive essa nossa, a brasileira Aparecida, venerada na Basílica e município correspondentes. Lourdes (França), Guadalupe (México) e Fátima (Portugal) são outras regionalizações muito famosas, também com seus templos e acervos.
O prosélito de qualquer desses locais pode recorrer à proteção e ao conforto especial, divino, dessas entidades que, essencialmente, representam o colo, o carinho e a boa vontade de uma mãe.
Editado no Brasil há quase quatro décadas, o livro “O Mito do Amor Materno”, da filósofa francesa Elizabeth Badinter, continua atual e polêmico. De um lado, muitos prosseguem sustentando a ideia de que as mães amam seus filhos de maneira incondicional e instintiva. De outro, puxados pela autora, vêm os que fazem a crítica de que isso é uma compreensão idealizada, idílica, da maternidade.
Podemos nos acomodar na compreensão conservadora. Afinal, o amor materno típico é uma ideia profundamente enraizada em nossa sociedade. Essa visão fantasiosa da maternidade, embora seja emocionalmente poderosa, não reflete a complexidade da experiência materna e pode ser prejudicial para mães e descendentes.
Na atualidade, observam-se com mais atenção casos de mães que entraram em sofrimento exagerado, uma overdose do dito popular “Padecer no Paraíso”. Às vezes, por não conseguir fugir de um inferno… Ou seja, por exemplo, ter um filho criminoso, preso, que pede à mãe que, na próxima visita, traga para ele uma dose de tóxico escondida… Esta exaustão se chama hoje “Mommy burnout ou Burnout Parental”. Tal quadro pode provocar condutas negligentes e até violentas.
A pedagoga e educadora parental Maya Eigenmann pondera que a agressividade não é intencional: “A pessoa com burnout não está nesse lugar porque foi fraca ou porque queira e esteja consciente de todas as questões estruturais”.
Por essa consciência prejudicada, a mãe exaurida pode mesmo surtar e se tornar bem perigosa.
Um casal maduro preocupava-se muito com o filho, que tinha sintomas gastrintestinais desagradáveis, muito inconvenientes. O moço, casado com uma médica, não melhorava. A mãe ficava muito agoniada, achava que a nora não tomava providências mais diretas e enérgicas para cuidar da saúde dele. Cautelosa com a moça, sem querer cobrar ações que seriam habituais numa médica, a senhora esperava, lançava algumas indiretas, mas nada acontecia de novo. Em um fim de semana, família reunida, a mãe declarou enfaticamente que levaria o filho, custasse o que custasse, adiantando até uma desculpa à nora, a um outro especialista.
Se a iniciativa da mãe trouxesse benefício para o rapaz, a mãe relaxaria. E ninguém a culparia. Se não, o estresse aumentaria, culpa e outros medos se avolumariam, e a iniciativa seria interpretada como um surto…
Felizmente, ele melhorou, revelando depois que se sentiu extremamente seguro e protegido pela atitude materna, sugerindo até que a esposa, mesmo algo frustrada, amadurecesse com este aprendizado.
A mulher realiza-se com a maternidade? Este é outro ponto muito controverso. Temos muitas mulheres felizes, satisfeitas, sem arrependimentos, por terem renunciado à descendência.
Também, conforme as circunstâncias, há as que se arrependem amargamente pela renúncia. Se uma mulher casada, aposentada, que não quis descendentes, fica viúva e, circunstancialmente, já perdeu os pais e a única irmã mora em outro país, a solidão nela baterá implacavelmente.
A controvérsia sobre a realização feminina se amplia quanto ao casamento. Pelo contexto festivo, social, com todo o protocolo e o cerimonial implícitos que destacam exponencialmente a noiva, o rito matrimonial equivale a uma formatura da mulher.
Ainda nos dias de hoje, esse diploma de realização da mulher se reforça pelo investimento no ritual do casamento. A estilista Juliana Santos tem empresa de roupas para noivas em Goiânia e São Paulo. Os vestidos variam de 5 mil a 12 mil reais e suas lojas faturam cerca de 220 mil reais por mês.
O amor materno seria predominantemente natural ou cultural? Ainda não temos essa reposta.
Então, por enquanto, para a nossa espécie se garantir, sobreviver, prosseguir a sua jornada vital, é melhor acreditarmos que haja um predomínio da natureza…
Para o bem da nossa espécie, que seja predominantemente natural.
E que as sogras possam contornar as noras ou genros diante de alguma omissão ou incúria…
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.











