Com objetivo de reforçar a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em abril a Lei 14.550/2023. Na prática, essa norma altera a Lei Maria da Penha, prevendo que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas a partir da solicitação da vítima.
Ou seja: independente de registro de boletim de ocorrência, ou da existência de inquérito ou ajuizamento de ação penal ou cível. O objetivo é reforçar a proteção das vítimas. E isso não significa que haverá um julgamento antecipado a respeito do acusado. Essa medida tem caráter cautelar e por isso não será utilizada com a finalidade de punir o agressor.
É importante destacar que, mesmo sancionada a nova legislação, o tema deve seguir em debate em busca de constante mobilização social no intuito de frear números que chocam e, infelizmente, aumentam a cada dia.
No primeiro semestre de 2022, como exemplo dessa realidade, o Brasil bateu recorde de feminicídios, registrando cerca de 700 casos no período. Em 2021, mais de 66 mil mulheres foram vítimas de estupro; mais de 230 mil brasileiras sofreram agressões físicas por violência doméstica.
Os dados são do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado em dezembro do ano passado.
Existe ainda um agravante, embora todas as mulheres estejam expostas a essas violências, fica evidente o racismo: as mulheres negras são 67% das vítimas de feminicídios e 89% das vítimas de violência sexual.
Neste cenário, é essencial reconhecer a nova lei, assim como outros mecanismos eficazes que a legislação brasileira, como mais uma ferramenta de proteção da mulher. Porém deixar esse encargo apenas o texto legal é o que se chama de Direito Penal Simbólico.
Que nada mais é do uma estratégia política para conseguir popularidade ao aprovar leis severas (simbolicamente rigorosas em resposta ao clamor popular), mas que na prática são ineficazes, não passam de letras vazias.
O raciocínio é o de que a lei por si só não é suficiente no combate à violência contra a mulher, sendo necessárias mudanças estruturais e portanto, extrapenais, para modificar a assimetria das relações de poder fundadas no gênero. Um exemplo prático é a própria medida protetiva e o quanto socialmente ainda podemos questionar sua eficácia.
A medida protetiva pode funcionar em alguns aspectos, como no caso de medidas de ordem patrimonial, que são destinadas a proteção do bens da vítima e visa evitar uma dilapidação do patrimônio, como restituição de bens indevidamente subtraídos, proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor.
Entretanto, quando falamos em medida de distanciamento, por exemplo, na prática verifica-se uma situação de difícil fiscalização e de ineficácia.
Outro exemplo é a Lei nº 13.104/2015 que torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 a 30 anos. Entretanto, o que se verifica é um aumento nos casos de feminicídio, conforme estatísticas citadas.
Isso, novamente, reforça que o endurecimento de penas não é o caminho para tratar de um problema social tão arraigado e ligado ao seio de uma ordem estrutural hierarquizada.

Emyle Baleeiro é advogada criminalista com MBA em Direito Empresarial pela FGV e faz pós-graduação em Direito Penal Econômico pela PUC Minas.