As expressões faciais são referências aparentes das nossas emoções. Estas são sutilmente reveladas, mesmo que tentemos disfarçá-las, pois o rosto entra em conexão espontânea com a emocionalidade.
O livro “Unmasking the Face” (Desmascarando a Face), de Paul Ekman e Wallace V. Friesen, aborda a complexidade dessa polêmica.
Outras publicações de Paul Ekman estudam as microexpressões faciais, chegando a sugerir técnicas para descobrir mentiras, combatendo as dissimulações perversas.
Quando precisamos esconder ou revelar mais intensamente nossos sentimentos, podemos recorrer às máscaras. Elas podem tanto dissimulá-los quanto exagerá-los.
A maquiagem seria a máscara menor, mais superficial, construída e pintada diretamente na pele, cujas técnicas se tornam cada vez mais sofisticadas, com efeitos surpreendentes. Os shows dos transformistas são exemplos competentes.
Peças do vestuário podem funcionar como disfarces intencionais dos portadores ou reforçar algum estigma, uma ameaça, de quem os interpreta. O capacete do motociclista que se aproxima assusta o carro que aguarda a abertura do semáforo. A camisola branca com capuz impressiona a criança que parece ver um fantasma.
Mãe comentava com o pediatra do filho sobre medo de palhaço. Ela estranhava o sintoma da criança, pois o palhaço seria figura comum das vivências infantis. Como tinha lido sobre a coulrofobia, tentava confirmar hipótese da origem do temor. Este viria da impossibilidade da criança identificar as expressões faciais ocultadas pela maquiagem. O pediatra a contestou, sugerindo que a perspicácia da criança permite que ela perceba os propósitos do maquiado…
Nossa preocupação maior é com os dissimulados, cujas expressões de cara limpa equivalem a máscaras perigosas, ocultando intenções maliciosas. O lobo disfarçado de cordeiro é a situação clássica.
A Bíblia, no Novo Testamento, traz a parábola de Cristo: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores” (Mateus 7:15-20). Ocorrem, porém, algumas situações curiosas, até contraditórias: a pele de cordeiro pode ocultar uma pessoa de bom caráter.
Homem com quase 40 anos, casado, um filho, exercia um trabalho ótimo e rendoso. Infelizmente, perdeu o emprego. Recebeu indenização que permitia manter o padrão de vida por um semestre. Como trabalhava predominantemente em casa e não queria frustrar a esposa, que ele amava e admirava, apesar de a considerar dura e crítica, nada comentou com ela. Só revelou a situação para seu pai, que preferiu não se meter muito na história.
O tempo corria, o despedido prosseguia na perspectiva de que conseguiria um outro trabalho do mesmo nível. A pandemia se intensificou, os seis meses estavam terminando e ele não era chamado para nenhuma entrevista. Teve que se abrir com a mulher. Ela reagiu conforme o previsto, criticando-o duramente, dizendo que ele tinha sido um traidor, que se mascarou de bem-sucedido sendo um desempregado por tanto tempo. Depois, ela conseguiu repensar a situação e não mais o entender como maldoso, mas como um cordeirinho infantil, imaturo, vestido em pele de cordeiro adulto…
Os medos mal administrados levam-nos a usar as máscaras com má-fé, mentir, encontrar desculpas levianas, escapar das responsabilidades, fingir, exercer papéis teatrais, em caracterizações cênicas manipuladoras.
Os animais, e nós também, logicamente, vivemos com medos. A rigor, precisamos dos medos – eles nos desafiam, nos entusiasmam, mas eles podem nos submeter. Só evitaremos as performances nocivas se os controlarmos, elaborando-os com inteligência e humildade.
Aqueles que agem com mais perversão são os que mais temem. Fora os que têm, por natureza, índole degradada, os perversos têm medos enormes. Eles agridem criminosamente para não correr o risco de serem maltratados novamente.
O famigerado dramaturgo inglês William Shakespeare, falecido no século 17, já adiantava: “O mundo inteiro é um palco, e todos os homens e mulheres são apenas atores”. Outro literato britânico, Oscar Wilde, falecido no século 19, acrescentou: “O mundo pode ser um palco, mas o elenco é um horror”…
Não precisamos ser tão mordazes e erodentes como Wilde, mas podemos indubitavelmente aprimorar nossa espontaneidade, exercer atuações mais genuínas, sustentadas na verdade, na ética, nos bons desígnios. E nos encantar, nos divertir, com as necessárias e adequadas máscaras das artes performativas.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor