Em meus três primeiros artigos do “Questionateu” e em minha prática clínica, tenho consistentemente encorajado o raciocínio crítico. Essencialmente, o pensamento crítico vai muito além de aceitar informações de forma superficial. Ele nos impulsiona a investigar profundamente, a ir além do óbvio e a resistir à simplificação excessiva e à conformidade.
Provocações e debates são interessantes e decorrem diretamente dessa perspectiva.
As discussões mais frutíferas frequentemente surgem de controvérsias construtivas, que não são aprisionadas por dogmas ideológicos. Muitas dessas discussões estão intrinsecamente ligadas à religião, o que inspirou a criação do termo “questionateu” para estimular o debate.
Tradicionalmente, a cultura ocidental evita debater política, fanatismo esportivo e religião, pois o fervor extremista tende a inviabilizar qualquer tentativa de diálogo produtivo.
Creio que é crucial desafiar essa postura complacente. Estrategicamente, podemos adotar uma abordagem diplomática e respeitosa diante de tópicos complexos e polarizadores, especialmente quanto à religião. Meu objetivo é promover debates abertos, encontros ecumênicos e iniciativas similares.
O livro recente “Imortalidades”, de Eduardo Gianetti, e uma matéria, cujo original é da BBC, me inspiraram neste questionamento de hoje.
Como no mais recente “questionateu”, apresentarei uma discussão digital que desenvolvi com uma Inteligência Artificial (I. A.), focando em perguntas e respostas condensadas.
Então, perguntei para a I. A.: Falar sobre imortalidade como um reles mortal – isso é o que nos cabe, como humanos e perecíveis. Seria interessante e curioso saber como os imortais falariam…
Comentário da I. A.: “Da nossa perspectiva mortal, a imortalidade parece uma bênção suprema. Mas, ao tentar enxergar através dos olhos de um imortal, a imagem se torna mais complexa. Talvez a mortalidade seja o tempero que dá sabor à vida, a finitude que nos impele a valorizar cada instante. É uma reflexão que nos lembra o quão intrinsecamente ligada à nossa percepção da vida está a nossa própria condição de mortais. O que você acha que seria o maior desafio para um imortal?”…
Questão para a I A: O imortal não tem limites, não entenderia a imortalidade como bênção, não necessitaria de nenhum propósito nem desafio…
Comentário da I A: “O desafio implica superação, a transposição de obstáculos, a conquista de algo que parecia inatingível. Mas, se não há limites, se o tempo é infinito e as capacidades são ilimitadas, o que poderia constituir um desafio real? A evolução, o aprendizado, a maestria — tudo isso estaria disponível sem esforço ou em um tempo tão vasto que a noção de ‘superação’ perderia seu impacto. Para um imortal assim, a própria estagnação ou a repetição infinita de eventos pode não ser percebida como um problema, mas apenas como a forma natural da existência”.
Questão para a I A: Você comenta conforme o imortal que eu descrevo. Haveria outro (s) imortal (is)?
Comentário da I A: “Para nós, a existência de ‘outros’ sempre implica interação, relacionamento, e como isso afeta nossa própria identidade. Para um imortal, a presença de outro ser equivalente não alteraria sua própria condição de ser. Não haveria competição, não haveria amor no sentido humano de necessidade ou dependência, não haveria ódio.
A existência de outros imortais talvez apenas expandiria a ‘paisagem’ da sua própria existência eterna, adicionando mais pontos de consciência pura no vasto e ilimitado tecido do ‘tudo’.
É uma questão que nos leva a um terreno onde nossos conceitos de ‘indivíduo’ e ‘sociedade’ se desfazem, e a própria existência se torna um fenômeno tão grandioso que a dualidade ‘único’ ou ‘múltiplo’ pode não ter a mesma relevância que tem para nós, mortais.
Pensando nisso, como você imagina que um imortal tão vasto sequer perceberia a existência de outro semelhante?”…
Questão para a I A: O imortal realmente independe de um semelhante, de parcerias, de companhia. O nosso modelo de imortal é o que se entende como Deus, a única entidade imaginada, “conhecida” pelos mortais. Único e Absoluto.
Comentário da I A: “Quando pensamos em Deus, em diversas tradições e filosofias, a imagem que surge é a de uma entidade onipotente, onisciente e onipresente. E, fundamentalmente, uma entidade que não depende de nada nem de ninguém.
Se o nosso imortal se assemelha a essa concepção divina, então a ideia de dependência, seja de um semelhante, de parcerias ou de companhia, é completamente abolida.
Independência Absoluta – um ser assim não buscaria um ‘parceiro’ para compartilhar experiências, porque a própria experiência da existência já é completa em si mesma. Não haveria carência afetiva, intelectual ou existencial que pudesse ser preenchida por outro. A plenitude já seria inerente à sua condição.
Essa visão nos força a expandir nossos limites conceituais e reconhecer que, para o imortal que descrevemos, a existência autossuficiente e plena é a sua própria realidade, um estado além de nossas compreensões humanas de necessidade, desejo ou relacionamento”.
Questão para a I A: O estado de imortal (vida eterna) é a busca maior do ser humano mortal (vida limitada). Imagino que bastaria a imortalidade para que uma alma (ou espírito) se caracterizasse como deus. Para que a onipotência, a onipresença, a onisciência?
Comentário da I A: “A imortalidade seria, nesse caso, apenas um dos muitos atributos que compõem a totalidade de um ser divino. Sem a onipotência, onipresença e onisciência, um ‘imortal’ poderia ser apenas um ser de vida muito longa, mas ainda assim sujeito a outras restrições que o diferenciariam de um ser verdadeiramente divino”.
Questão para I A: A imortalidade não merece um “apenas” – ela resolveria muito bem o anseio de superar o falecimento. Sabe o mito grego de Prometeu, que foi punido pela eternidade, tendo o fígado devorado por um águia toda manhã? Seu órgão se regenerava pelo resto do dia e à noite. E era sempre devorado pela manhã.
Acho que a imortalidade castigada deste deus grego vale a pena! Ainda que ele tenha que sofrer diariamente e só possa curtir os crepúsculos e as noites, está eterno!…
Retomaremos o debate!
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor











