Observo que alguns pacientes, depois de experimentar uma medicação que lhes receitei, retornam com uma carinha de constrangimento, contendo-se para dizer que não melhoraram.
Tento brincar com eles, desfazer o embaraço, dizendo: “Então, tudo pior, graças a Deus?”…
Muitos dão risada, entram no bom humor provocativo, mas outros logo corrigem: “Não, só agradeço a Deus o que for bom”.
Também há os que são mais agudos no pensamento crítico, tanto os que logo tentam me isentar de alguma falha, culpando o remédio, quanto os que deixam explícito que minha escolha realmente não foi feliz…
Nas vivências mais delicadas de médicos e pacientes, implicando maior risco na saúde, pede-se muita proteção divina. O internado ora para que Deus oriente as técnicas do cirurgião, a família reza para que o tempo de UTI se abrevie. Alguns profissionais também solicitam o apoio divino em suas condutas.
A lógica demanda que vários fatores interferem em todo este contexto. Afinal, é uma tentativa médica, mas humana, seja em receita de algo que o paciente nunca tomou antes, seja em procedimento mais invasivo, tudo a se conferir alguns dias depois.
Os dois lados, com humildade, esforços e bom senso, conseguem somar beneficamente as orações e os recursos técnicos.
Aproveitando o ensejo, quero colocar hoje, neste texto, um convite aos leitores para uma reflexão sobre o que se atribui a Deus e o que se agradece a Ele.
Os fiéis da grande maioria cristã costumam agradecer a Deus por todos os momentos bem-sucedidos, alegres e festivos das suas vidas. Não levam em conta, não se dedicam a associar as ocasiões ruins ou frustrantes às interferências do seu Senhor.
Há um livro (Cada Dia Pior, Graças a Deus – gratidão nos piores momentos) trabalhado a quatro mãos por um casal do Paraná. Os autores, Márcia Luciana e Palmiro Dei Tos, servem-se da frase do título em respeitosa e grata dedicação. Relatam como venceram juntos difíceis etapas, anos de impactos diagnósticos, esforços terapêuticos e oscilações convalescentes.
Os realmente crentes e que exercem uma mentalidade mais crítica, cumprem uma fé consistente e determinada em Deus, mas não se esgueiram de reconhecer que entregam todos os destinos às demandas Dele. Afinal, para eles, Deus é o Todo-Poderoso, onisciente, ubíquo e onipotente.
Deste modo, quaisquer eventos, todas as situações e ocorrências são guiadas por Ele, o Todo-Poderoso, sejam as boas, pelas quais você entende que caiu nas graças do Senhor, sejam as ruins, que você pretende esquecer, que são desgraças que também vieram Dele.
Às vezes, com algum temor supersticioso, até o crente mais informado, esclarecido, teria receio de conectar um episódio frustrado a Deus. Ele gostaria de atribuir o revés a algum poder maligno, ao Demônio…
A rigor, em todas as oportunidades existenciais, sejam elas positivas, gratificantes, ou negativas, malogradas, se você tem uma crença em Deus, as atribuições são Dele. Até um imaginável anjo mau está sob controle do Todo-Poderoso.
Tem todo cabimento, portanto, com um toque de provocação bem humorada ou simplesmente pelas coerências implícitas, ao acontecer uma decepção, você dizer: “as coisas pioraram, graças a Deus”.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.