Nesse agudo momento que precede a eleição do presidente da República, poderíamos fazer um exercício psicológico com inspiração política. Isso nos ajudaria a discernir alguns pontos deste contexto confuso e até repulsivo.
Aliás, na limitação cultural de nosso País, muitas vezes Psicologia e Política são confundidas. Naquelas situações em que uma pessoa ajuda a resolver uma ambiguidade, alivia conflito para assumir uma decisão, surge o comentário: “Muito bem, você foi ótimo psicólogo”. A rigor, a atuação foi eminentemente política…
São inúmeros fatos, argumentos, falácias e alaridos que se multiplicam na mídia, propaganda e redes sociais. É muito difícil, talvez impossível, ter esclarecimento e lucidez para discriminar o que é aproveitável.
A melhor maneira de conseguirmos isso é recorrer essencialmente à compreensão cada vez mais racional e menos emocional das circunstâncias.
A racionalização é a defesa mais humana dos humanos.
Quanto mais racionais, menos nos confundiremos, especialmente se cada um dos lados tiver abertura crítica para considerar razoáveis as observações do outro.
O melhor exercício para o raciocínio é organizar as próprias ideias, dispor-se a ouvir o contraditório e aproveitá-lo para rever as contradições dos dois lados.
Lembrar que não somos donos da verdade sempre ajuda, mesmo quando percebemos que o lado oposto se apresenta com certezas absolutas.
Relativizações e exageros tendenciosos são perigosas armadilhas envolvendo os dois polos. Se o conservador comenta que o índio é primitivo, o progressista imediatamente o julga desumano. Se alguém da esquerda questiona uma delação premiada, o da direita o inclui no crime.
Também fica mais fácil e didático analisar cada tópico em separado, evitando-se definições sobre determinado conjunto.
Os debates são sempre desejáveis, úteis e construtivos, mas o estigma de que não é bom debater política pode levar rapidamente os interlocutores a discussões estúpidas e apelativas.
Temos observado conflitos políticos odiosos entre membros de uma mesma família, grupos presenciais e virtuais, sacerdotes e prosélitos, chefes e subalternos.
Ultimamente, os profissionais da psicanálise e de outras técnicas psicoterápicas têm arriscado uma atuação mais aberta e participativa na Política. Artigo recente de Vera Iaconelli na Folha de São Paulo mobilizou polêmica.
Tentando seguir um roteiro didático, bem sucinto e discriminado, vou sugerir um ensaio com tópicos:
1) Temores comuns e alternados
A esquerda teme que a direita leve o País à ditadura. A direita teme que a esquerda faça o mesmo. Esse temor deve ser apenas paranoia bilateral. No entanto, se a ditadura for mesmo inevitável, prefiro a da direita. As da esquerda parecem durar muito mais.
2) Costumes antigos e/ou atualizados
A direita é conservadora nos costumes (às vezes, chega a ser retrógrada). A esquerda é progressista, inovadora. Para a maioria do povo do Brasil, subletrado e pouco informado, acho mais cômodo e seguro, por enquanto, ficar no âmbito conservador. Entre um banheiro misto na escola fundamental e toaletes separados, prefiro estes, pelo menos para esta geração. Sigo na direita.
3) Saúde
Parece que a direita aprendeu a vacinar, mas seria muito proveitosa a ajuda da esquerda.
4) Destino econômico
A economia da direita é liberal, move-se com privatizações. A da esquerda é regulada, visa as estatizações. Escolho a direita.
5) Educação
Páreo duro. Para os ensinos fundamental e médio, prefiro o conservador. Para o superior, um ajuste mais à esquerda.
6) Meio ambiente
Setor muito amplo, complexo, difícil. Seria bom contar com esforços bilaterais.
7) Segurança
O melhor é desarmar o bandido. Enquanto isso não ocorrer, há que se armar o cidadão. Prefiro a direita.
8) Agronegócios e reformas agrárias
Setor sensível e decisivo. Precisa do empenho bilateral.
9) Infraestrutura
Destaque do atual governo. Voto para a direita.
9) Combate à corrupção
Os dois lados se apresentam como capazes de muitas mobilizações para diminuir esta praga moral e financeira. Como, recentemente, a esquerda teve que devolver bilhões de dólares por ela desviados, fico na direita.
Resumindo, o melhor talvez fosse uma ideologia política paulatinamente progressista nos costumes e ortodoxamente liberal na economia. Por enquanto, isso não está disponível.
Também não podemos contar com uma colaboração exemplar e dedicada dos candidatos que oferecessem uma aliança para governar o Brasil juntos…
Temos que escolher. Meu predomínio é pela direita. O aprendizado prossegue. Muita coisa boa da esquerda tem que ser aproveitada, mas a economia não pode esperar.
Votar não é obrigatório em países mais evoluídos. Poderemos chegar lá. Por enquanto, apesar da obrigação, somos nação democrática, o que demanda a participação efetiva do eleitor.
Boa votação a todos.
Joaquim Z. B. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor