Foi o celular que despertou antes da hora e ela ainda não estava preparada para acordar, muito menos levantar e enfrentar o dia. O frio ainda não havia deixado as noites e nem as manhãs, mesmo com a primavera em seu ápice e o verão batendo a porta. Onde estaria o calor?
Pegou o celular para acordar, erro de quase todos nesses dias de internet a mão, aquela luz repleta de dopamina. Que vício. Passaram-se os minutos. Rolando, lendo, reagindo, rindo, passando raiva. Enfim, conseguiu se levantar da cama, atrasada.
Correu para dar comida para os cães, trocar água, preparar seu próprio café. Fibras. Precisava de fibras e um de leite para acompanhar. Aquele banho rápido, chato.
Bom é o banho em que pode se demorar e pensar na vida, em se imaginar vencendo um Oscar ou em imaginar o que faria se ganhasse na loteria. Não pôde ser assim, logo fechou o chuveiro, se enxugou, se vestiu, um tchau de longe aos amigos peludos, e rua.
O carro demorou a pegar, o frio e o álcool dizem que combinam apenas quando o álcool é um bom vinho. Pegou na terceira e mesmo assim ia devagar, até chegar ao trabalho o carro já estaria acordado. Ela também.
Ao chegar se deparou com a cara de mau dia dos colegas, e todos repetindo aquele bom dia de pouca conversa. As horas foram passando e a burocracia ia seguindo seu fluxo. Os ânimos foram melhorando e o assunto eram os de sempre, baseados em memes da internet. Todos falavam por memes, ninguém mais conseguia falar de outra forma.
Percebeu que seu conhecimento estava baseado agora em memes, não mais importava tudo que um dia tinha lido, nem livros, nem jornais, as aulas da escola, da faculdade. Nada mais importava. O que importava agora eram as imagens, os bichinhos fofos, as frases de efeito.
O que ela era, todos ali eram. Suas discordâncias se davam apenas no tipo de conteúdo que compartilhavam e recebiam em suas redes. Fez uma pausa para pegar um café, e se lembrou de todas as imagens de café que vira no seu celular nos últimos dias. E como não viveria sem o café. E em como não viveria sem seu celular. Nem por um minuto.
Danilo Pascoal é filósofo e pedagogo