Um calhamaço de papéis que estava pronto para ser levado ao lixo se transformou em um raro documento de ensino da língua portuguesa. O material sintetiza as experiências do professor Francisco Barel, que por mais de 50 anos se dedicou à tarefa de instruir sobre a escrita correta e a interpretação e construção de textos.
Trata-se do livro “Lições de Língua Portuguesa – Gramática, Redação e Literatura”, um copilado de exercícios, provas e estudos formulados ao longo dos anos pelo acadêmico que traçou sua trajetória em escolas e faculdades de Campinas e hoje mora em São Paulo. A obra, prestes a ser lançada na Academia Campinense de Letras (ACL), simboliza uma salvação.
“Eram muitos papéis e meu pai estava querendo descartar por ocupar muito espaço”, conta a filha de Barel, a também acadêmica Ana Beatriz Demarchi Barel. “Eu não permiti que isso acontecesse. Era um material rico, que poderia ser muito útil.” O conteúdo foi encaminhado para a digitalização e, posteriormente, organizado por Ana Beatriz. O processo durou mais de um ano até o lançamento do livro de 264 páginas editado pela Intermeios.
A obra traz vários tipos de exercícios que orientam sobre a redação e interpretação de textos, além de instruções e aplicações da gramática normativa. Os temas são propostos a partir de publicações jornalísticas e trechos de romances e formulações literárias.
“É uma boa parte do que meu pai ensinou ao longo de sua vida, seja no ensino fundamental ou entre acadêmicos da faculdade de Direito”, conta Ana Beatriz, enfatizando que o conteúdo é voltado tanto para profissionais ligados a educação, como a quem queira se aprofundar no conhecimento da língua portuguesa.
O livro, o primeiro de Barel, já foi lançado em Campinas na Escola Estadual Júlio de Mesquita, no Colégio Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora e na Livraria Vozes. Na ACL, o evento estava programado para acontecer no último dia 10, mas foi adiado em função de um problema de saúde do autor, que está internado e sem condições de se comunicar por enquanto. “Mas ele está bem, se recuperando de uma infecção”, informa a filha, que aguarda a agenda de uma nova data para o lançamento da obra na ACL. “Lições de Língua Portuguesa – Gramática, Redação e Literatura” pode ser adquirido pelo site .
Barel, hoje com 86 anos, mora em São Paulo com a filha desde novembro do ano passado, quando se mudou de Campinas, onde deixou um legado. Ele chegou na cidade em 1970 e, depois de se formar em Letras na PUC, construiu uma história importante como professor.
Lecionou em escolas públicas e particulares, desde o ensino Fundamental até o Médio, e nas faculdades de Jornalismo e Direito da PUC. Foi também diretor de escola e organizou vários cursos. O mergulho na Língua Portuguesa e sua dedicação ao ensino se tornaram inspiração para a filha, titular da Universidade Estadual de Goiás. Hoje, aos 56 anos, ela segue para seu terceiro pós-doutorado na área de Literatura.
“Em Campinas, ele tem uma legião de fãs”, brinca Ana Beatriz. “Na Escola Júlio de Mesquita, os 50 livros que levamos para o lançamento foram vendidos em menos de uma hora”, lembra. “E quando foi programado o evento na ACL, recebemos uma chuva de recados. Ex-alunos faziam questão de cumprimenta-lo e saberem mais sobre o livro.”
A acadêmica conta que a vida de seu pai se resumiu a trabalho.
“Ele chegou a exercer uma carga de 75h por semana. Era manhã, tarde e noite. Só não trabalhava aos sábados à noite e aos domingos à tarde.” Segundo ela, Barel começou a reduzir sua atuação quando as telas passaram a substituir os papéis. “Ele não se adaptou às mudanças tecnológicas”, justifica. “Mesmo assim, seguiu trabalhando. Ficou, por exemplo, dez anos atuando em um escritório de advocacia como consultor linguístico e formador de estagiários para os cursos da OAB.”
Nascido em Santa Gertrudes-SP, Francisco Barel, curiosamente, só passou a frequentar escola aos 10 anos de idade. O pai, jardineiro, queria que o filho se dedicasse ao trabalho, mas a dona da fazenda onde a família trabalhava estimulou o menino a estudar. E Francisco seguiu à risca os conselhos da patroa do pai, aos quais continua a seguir nos dias de hoje, mesmo aposentado. “Ele continua lendo bastante e aqui em São Paulo sempre visita os espaços culturais comigo, demonstrando ainda muito interesse por obras literárias e seus autores”, conta a filha e companheira.