O jornalismo e as letras perderam neste final de semana a escritora, historiadora e ex-diplomata de carreira Cecília Maria do Amaral Prada. Ela ocupava a cadeira de número 7 da Academia Campinense de Letras (ACL). Jornalista premiada e escritora de personalidade vigorosa, ela carrega também um longo histórico de experiência nas relações internacionais.
Nascida em Bragança Paulista, em 1929, ela morava em Campinas e tinha 94 anos. Sua morte, decorrente de causas naturais, entristeceu confrades e confreiras da ACL, seus amigos e amigas de décadas na literatura e no jornalismo.
Cecília Prada faleceu neste sábado, dia 2 de março. O presidente da entidade, o escritor e historiador Jorge Alves de Lima, solicitou neste domingo à Serviços Técnicos Gerais (Setec), que a despedida da acadêmica seja feita no salão nobre do prédio da academia, na Rua Marechal Deodoro, no Centro.
A Setec autorizou que as cerimônias fúnebres aconteçam no complexo literário. O velório, portanto, ocorre na manhã desta segunda-feira, dia 4 de março, entre 10h e 13h. O sepultamento será no Cemitério Flamboyant no início da tarde.
Cecília Prada se orgulhava muito de seu ofício jornalístico – e também de seu prêmio Esso, o maior do jornalismo brasileiro.
Ela venceu o Esso de Reportagem em 1980, com a matéria de denúncia Clínica de Repouso Congonhas, publicada pela Folha de S.Paulo, em 1979. Foi, por muito tempo, a única mulher a ter recebido, sozinha e em âmbito nacional, este prêmio, desde a sua criação, em 1959. Manteve-se nessa posição até o ano de 2001. Até 2012, apenas duas mulheres foram premiadas nessa categoria.
Um dos últimos eventos públicos
Uma das últimas aparições públicas da acadêmica ocorreu no ano passado, quando proferiu aula magna, em São Paulo, em sua homenagem, por iniciativa do Centro Acadêmico de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado. A ex-diplomata falou a uma plateia de estudantes de Relações Internacionais e do Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI FECAP), que leva seu nome.
No ano anterior, o CARI FECAP realizou uma votação aberta para a escolha de seu novo nome e com 47 votos, o nome Cecilia Prada agora é também o nome da organização estudantil.
A gestão do CARI Cecília Prada diz que o grupo reconhece e admira a luta de Cecília contra o machismo na diplomacia brasileira e contra todas as injustiças baseadas em gênero, e acredita que, como estudantes, devem lutar contra elas, e pela democracia.
“É uma grande honra dividirmos este nome. O CARI sempre foi um trabalho coletivo, de alunos para alunos, e segue sendo, agora mais forte do que nunca! Cecilia Prada não é apenas uma nova roupa, mas a concretização de um sentimento etéreo que pairou por muito tempo e agora repousa: pertencemos! Nós reconhecemos para além das grades da instituição e sabemos que nosso corpo coletivo pode ir, e vai, muito além! Este nome carrega o símbolo de uma luta incansável por igualitarismo, democracia e respeito, e é justamente por estes ideais que pretendemos continuar caminhando”, afirmou Nicolle Mariano ao site da FECAP. Ela é ex-presidente do CARI Cecília Prada.
Já para a coordenadora do curso de Relações Internacionais da FECAP, Marília Pimenta, “o trabalho de Cecília Prada inspira muitos e muitas de nós a alcançarmos nossos objetivos e metas e motivou, particularmente, alunas e alunos de nosso curso, de modo que deram ao Centro Acadêmico, o seu nome”, reforçou ao site.
O evento foi muito concorrido e ela teve, em vida, o reconhecimento de sua trajetória. Houve emoção e muitos aplausos.
Conheça a sua biografia
Cecilia Maria do Amaral Prada assina Cecília Prada (ficcionista, ex-diplomata de carreira, historiadora, dramaturga, tradutora e jornalista profissional). Ela nasceu em Bragança Paulista (SP), no dia 23 de novembro de 1929. Dentre suas diversas formações estão Letras Neo-Latinas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Jornalismo pela Fundação Cásper Líbero, ambas em 1951; o curso preparatório à carreira diplomática pelo Instituto Rio Branco, Ministério das Relações Exteriores (MRE/RJ).
Fez também o curso de Dramaturgia, Direção e Crítica pela The New School for Social Research em parceria com o The Gene Frankel Theater Workshop, em Nova York (EUA), e, por último, mestrado em Literatura Hispano-Americana pela Universidade de São Paulo (USP) em 1983.
Fluente em seis línguas, traduziu mais de 35 livros em inglês, espanhol, francês, italiano e até latim.
Filha de um professor e de uma dona de casa que só tinha cursado o ensino primário, Prada foi uma das primeiras jornalistas formadas no Brasil, no começo da década de 1950. Estudou por conta própria para o concurso do Itamaraty, enquanto trabalhava como jornalista e professora da rede pública, já que era a responsável pelo sustento da mãe após a morte do pai. Foi diretora da União Brasileira dos Escritores e exerceu a carreira diplomática no cargo de Cônsul, grau terceiro secretário, até novembro de 1958.
Em 1958, foi obrigada pelo Ministério de Relações Exteriores a pedir demissão por casar-se com um colega diplomata, o ex-secretário de Cultura Sérgio Paulo Rouanet, seguindo as regras do Ministério na época. Desde o divórcio, na década de 1970, tentou voltar para o serviço diplomático, pelo qual poderia se aposentar. Desde então, teve várias negativas em diferentes instâncias, desde os militares da ditadura até a Justiça civil. Fato que lhe trouxe muita tristeza.
Nos últimos anos, porém, nutria a expectativa e a ansiedade por um desfecho judicial positivo, o que gerou euforia e grande entusiasmo.
No Jornalismo, começou a carreira ainda com 18 anos, assinando artigos literários e fazendo reportagens para A Gazeta (SP). Em 1956 deixou a profissão de professora de português para seguir a carreira diplomática. Após um longo período a serviço do Itamaraty, em 1972 trabalhou em pesquisas para o jornal O Globo (RJ). Em seguida, atuou como editora de cultura em O Estado de S.Paulo (SP). Ficou lá por um ano.
Em 1976, foi para a revista Visão (SP) como repórter e subeditora de Cultura da publicação. No ano seguinte passou a crítica de Teatro na revista IstoÉ (SP), quando também era membro da Associação Paulista de Críticos de Arte (Apca). Ficou por dois anos na TV Cultura (SP), a convite do professor Antônio Soares Amora, para redigir toda a parte literária do Telecurso de Segundo Grau.
Em 1984 assumiu, no Instituto Universitário Bérgamo (Itália), o cargo de leitora de Literatura e Cultura Brasileira, por ação do Ministério das Relações Exteriores, que na época fazia a divulgação dos grandes escritores brasileiros. Após o retorno ao Brasil, entrou como editora do noticiário internacional da TV Gazeta (SP).
Além do Esso, recebeu diversos prêmios literários: Prêmio Revelação de Autor, em 1978; Menção Honrosa do Prêmio José do Rego de Ficção 1965; Menção Honrosa do Prêmio Governador do Estado de São Paulo 1962; e o Prêmio do 1º Concurso de Contos de A Gazeta, em 1949.
Publicou diversos livros, entre eles: Ponto morto (Edigraf, 1955); O Caos na sala de jantar (Moderna, 1978); A pena e o espartilho (Atalanta, 2007); O país dos homens de gelo (Atlanta, 2007); Estudos de Interiores para uma Arquitetura da solidão (DBA, 2004); Faróis estrábicos na noite (Bertrand, 2009) e Entre o itinerário e o desejo (Socortecci, 2012) e o livro Profissionais da solidão – de estudos literários (Senac 2013).
No período de 1995 a 2012, cerca de 150 artigos assinados por Cecília foram publicados em revistas dos EUA, Portugal e países escandinavos. Um dos artigos, Primórdios da imprensa no Brasil, foi pauta para entrevista concedida à rede ABC News de Sidney (Austrália), em 2005.
Desde 1997, vinha colaborando com matérias assinadas sobre assuntos culturais, principalmente Literatura Brasileira e História para a revista Problemas Brasileiros, da Federação do Comércio (Fcesp- Sesc/SP).
Em 2020, é publicado o livro ‘Nós, que nem ao menos somos deuses’, uma antologia com 35 de seus melhores contos, publicação patrocinada pela Academia Campinense de Letras, em homenagem aos 90 anos de vida e seus 70 anos de dupla atividade cultural, jornalismo e literatura.
Era também dramaturga, tradutora e autora de 9 livros de jornalismo e crítica literária. Em fevereiro do mesmo ano foi indicada por duas academias de letras como candidata ao Prêmio Nobel de Literatura.
Cecília Prada manteve contatos com a redação do Hora Campinas, onde publicou uma crônica em 2022.
Veja texto publicado no Hora Campinas