Há objetos que ativam as sensações de aconchego no lar, e aí entra a decoração afetiva, muito em alta no momento. A cristaleira da vovó é uma peça importante em muitas residências. Na minha infância, lembro de meu avô Thomaz sempre próximo de uma que preservava os figurinos de minha tia Carmem, que era costureira. No móvel, ele também mantinha livros, muitos deles lidos por mim.
Ainda tenho na sala um espelho que era do quarto de meus pais, bem como a máquina de costura da minha mãe, mas gostaria de ter guardado muitas outras peças que estão presentes só na minha memória. Mudanças frequentes me impediram de preservar o que já não cabia nas casas, cada vez menores, bem diferente da morada ampla da infância, com direito a vitrola, porta guarda-chuva, louças guardadas em um armário enorme e um simpático móvel de TV.
Claro que o segredo de uma decoração harmoniosa é combinar peças antigas com móveis modernos, e isso vale para cômodos variados. O quarto fica acolhedor com uma cômoda que pertencia a um ente querido que já se foi, da mesma forma que a estante de aço do escritório do seu pai pode ser pintada para se transformar em uma peça incrível para o seu moderno home office. O lado sentimental cai como uma luva nas moradas pelo fato de contar um pouco da história do morador.
Repaginar as peças sem distorcer suas características originais é algo que os profissionais do setor levam muito a sério.
Tenho visto Stephanie Ribeiro fazer um trabalho de muita sensibilidade no programa Decore-se (GNT). Por sinal, a arquiteta é uma ex-aluna da PUC-Campinas. A equipe da profissional é formada por outros três talentos formados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da universidade: Adriana Abdalla, Gabriel Souza e José Carrari Filho, graduados entre 2016 e 2017.
Convidada para assumir o programa, repaginado em virtude da quarentena, Stephanie convidou os ex-colegas de faculdade para agregar na construção da nova identidade do Decora, cuja proposta é transformar ambientes com intervenções à distância, totalmente on-line, para garantir a segurança dos participantes em meio à pandemia.
“Decoração não é apenas escolher peças bonitas para um espaço; é entender a funcionalidade do ambiente, a história da pessoa e construir memórias afetivas, mesmo em tempos tão adversos”, definiu Stephanie em recente entrevista para o portal da PUC-Campinas.
A decoração afetiva tem uma estreita relação com o campo da psicologia. Há um apego saudável com as raízes do morador, com cada item tendo um significado, tornando os espaços mais acolhedores. Nada é colocado ao acaso, tudo tem sua razão de ser.
Alguns móveis antigos são reformados. Reparos simples, como troca de estofados, puxadores e pintura nova fazem toda a diferença no visual das peças. Passado e presente se unem com harmonia na decoração afetiva, ainda mais quando há gravuras.
Lembranças de lugares visitados também fazem parte desse jeito afetuoso de decorar.
Adoro ver xícaras sem par que se transformam em vasos para cultivar temperos na cozinha. Aliás, as louças são grandes aliadas da decoração afetiva. Livros, discos de vinil, miniaturas de carros e outros colecionáveis são bons exemplos de objetos que podem ser incorporados ao visual dos ambientes, deixando de ser apenas recordações guardadas no fundo de armários. Eu, por exemplo, tenho uma coleção de sapatinhos de cerâmica e acrílico nas estantes e em outros cantos da casa, que representam os passos importantes que dei na vida.
A decoração afetiva é, na verdade, uma tendência que chega para humanizar a casa, transformando-a num lar.
Os objetos têm tudo a ver com as pessoas que moram naquele espaço. De acordo com a Terrasse Engenharia, “o segredo está em escolher peças chave que remetam a uma sensação de aconchego para compor o projeto, como dispor os utensílios da cozinha de forma que lembre a casa de infância ou decorar uma parede da sala como aquele local acolhedor que você visitou em uma viagem. Sentir-se parte do lar é a proposta principal da decoração afetiva, portanto, é muito importante que o profissional (arquiteto, decorador, etc) esteja aberto a receber ideias e entender quais pontos são mais importantes para você”.
Na definição da Líder Interiores, um lar com personalidade deve ter histórias para contar. E não há preocupação em parecer um espaço decorado – pelo contrário! Vale misturar fragmentos de modo eclético ou destacar objetos que amamos em um cantinho especial. A empresa do setor mobiliário aconselha: “Aposte nas suas cores preferidas, ressalte fotos de momentos marcantes e pessoas queridas, mostre que você é o dono do pedaço!”. Em tempos de isolamento, nada melhor do que morar numa casa que tenha a sua cara.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]