Uma casa, sua história e a resistência. O imóvel número 2.412 da Avenida Barão de Itapura, o único que permanece em pé naquele quarteirão de mais de 7 mil metros quadrados, desperta interesse em meio ao avanço imobiliário que se consolida em uma das principais vias de Campinas.
Não é de agora que a curiosidade sobre o destino daquela antiga construção veio à tona. Bem antes da publicação de uma foto nas redes sociais, que ganhou repercussão na última semana em um perfil dedicado a fotografias de Campinas, o futuro do imóvel corre em comentários nos quatro cantos da vizinhança já há alguns anos.
Todas as versões ouvidas pela reportagem ao logo dessa semana foram de que o proprietário, um octogenário médico aposentado, não teria aceitado a oferta proposta pela incorporadora Furlan Participações, que hoje detém todo o quarteirão.
A incorporadora, por sua vez, garantiu que a decisão do proprietário foi totalmente respeitada, e que a permanência daquele imóvel no amplo terreno, próximo ao colégio Liceu Salesiano, não irá atrapalhar projetos futuros (leia abaixo).

Avesso à exposição, segundo pessoas próximas, Seo Antônio, o proprietário da casa, não retornou aos nossos pedidos de entrevista. Deixamos mensagem na caixa de correios da antiga casa (há mais de 10 anos ocupada por inquilinos), na padaria vizinha e até mesmo com um empresário que conhece o proprietário há mais de 20 anos. Em nenhuma dessas formas conseguimos retorno do aposentado, e tampouco alguém quis ceder seu contato telefônico.
A situação daquele imóvel na Barão de Itapura é comparada quase que instintivamente ao filme de animação UP – Altas Aventuras (2009 – Disney), por aqueles que assistiram ao longa dirigido por Peter Docter.
Para quem não se lembra, o enredo traz o personagem Carl Fredericksen, um vendedor de balões que, aos 78 anos, está prestes a perder a casa em que sempre viveu com sua esposa. O terreno onde o imóvel fica localizado interessa a um empresário, que deseja construir um edifício no local.
Após um incidente em que acerta um homem com sua bengala, Carl é considerado uma ameaça pública e forçado a ser internado em um asilo. Para evitar que isto aconteça, ele enche milhares de balões em sua casa, fazendo com que ela levante vôo. O objetivo de Carl é viajar para uma floresta na América do Sul.

No caso campineiro e nada ficcional, o proprietário da solitária residência mantém o mesmo apego ao imóvel, por onde muitos anos morou com a mãe. “Morei uns 20 anos ao lado dessa casa; era de um médico solteirão e sua mãe, Dona Nenê. Que resistência desse morador”, escreveu um antigo vizinho, na postagem onde o canal Foto Campinas expôs a residência, no último dia 9 de outubro.
APEGOS E PROPOSTAS
“É uma pessoa que não tem muita conversa. Até mesmo comigo, que conheço há 24 anos, ele fala pouco”. O relato é de um empresário do ramo automotivo – uma parente sua reside na antiga casa da Barão há pelo menos 10 anos.
“Ele mesmo (o aposentado) já disse que não precisa de dinheiro, e por isso não vê interesse em vender. As vezes não cobra nem o aluguel”, revelou o amigo, que preferiu não expor a identidade e que ficou de fazer o “meio de campo”, no pedido de entrevista.
Por outro lado, um outro comerciante que trabalha na quadra frontal à residência disse que “na boca pequena”, o que circula é que a incorporadora teria ofertado um valor irrisório pelo imóvel e “ofendido moralmente” o atual proprietário, segundo ele.
“Depois vieram com uma nova proposta, mas não aumentaram quase nada em relação à primeira. Daí que ele resolveu deixar a negociação para lá”, comentou a fonte, que também preferiu o anonimato.
Com menos ‘dedos’ e mais desejo de venda, a funcionária pública Giovana de Cássia Martins vive desde que nasceu, há 53 anos, na casa adquirida pela sua bisavó Iolanda, a uma quadra do imóvel do médico aposentado.

Um punhado de placas de vende-se perdura há uma década na fachada do antigo imóvel, e desde então, segundo ela, das poucas propostas que receberam, nenhuma foi atrativa o suficiente para fazer com que ela e o irmão (que mora nos fundos) deixassem a residência.
“A gente pensou que iria vender rápido, mas até o momento tivemos propostas ridículas”, expôs. Seu imóvel é um dos últimos que servem como moradia em praticamente cinco quilômetros de avenida.
Do Terminal Multimodal Ramos de Azevedo até o término na Avenida Heitor Penteado, a parte da Barão de Itapura que ainda concentra pouco mais de 20 imóveis residenciais é a partir do Balão do Kennedy.
“Mudou muito o cenário da avenida. Aqui em frente já foi residência, depois loja de chocolate, revenda de carros e agora lava-rápido. Houve muita transformação”, recorda Giovana. Recentemente, a casa ao lado da sua também entrou para a venda, e a expectativa é de que algum comprador arremate as duas com uma oferta atrativa.
Sobre a casa ‘isolada’ na quadra vizinha, Giovana diz que do pouco que ouviu falar, haveria um projeto para a construção de um shopping vertical no terreno. Mas, segundo elas, tudo fica no campo da especulação.
LIBERDADE DE CADA UM
Em entrevista ao Hora Campinas, Alessandro Furlan, atual CEO da Eco Vila Incorporadora e designado a responder pela Furlan Participações, disse que o imóvel do Seo Antônio em nada atrapalhará os futuros projetos da incorporadora.
O empresário de 46 anos garantiu que o relacionamento com o proprietário da residência sempre foi muito respeitoso, e que a posição do aposentado foi de não vender a casa pois se trata de um bem da família.
“Conversamos algumas vezes, ele sempre foi muito gentil, e disse que não queria vender. O mais importante é preservar a liberdade de cada um, e entendemos perfeitamente a postura dele”, afirmou Furlan.
No terreno com 7,3 mil metros quadrados, além da antiga residência existe parte do prédio da antiga Lojas Seller – rede que até 2013 pertenceu à família Furlan, com mais de 70 lojas espalhadas em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

O prédio da loja que funcionava na Rua Dona Maria Umbelina Couto, paralela à Barão de Itapura, hoje serve como depósito da incorporadora. Parte da quadra já era de propriedade da família Furlan, que posteriormente comprou mais quatro residências, segundo Alessandro.
“Ainda não temos estudo ou projeto para construção naquela área. A empresa está com 11 projetos em andamento, sendo seis em Campinas, três em Paulínia, além de Hortolândia, Sumaré e Jaguariúna. Aquele espaço na Barão de Itapura é uma ‘joia’, e vamos pensar em algo que possa também agregar a toda aquela região. Como talvez um shopping, um hospital…”.