Às vezes, os alunos da Escola Estadual Celestino de Campos, na Vila Mimosa, em Campinas, têm a rotina de aulas quebrada. Vozes de crianças invadem o espaço, chamam a atenção e um coral se torna parte do ambiente acadêmico. A arte vem dos alunos do 4º a 5º anos, que em alguns momentos fazem questão de sair da sala e circular pelas dependências da unidade para mostrar aos colegas o aprendizado das aulas de canto. A atitude é coordenada pelo maestro Wilson Nascimento, que desde o ano passado leva a música a alunos de escolas públicas de Campinas.
A ação representa uma saga para o maestro campineiro formado pela Unicamp e que há quase 30 anos se dedica à formação e regência de corais, mas pela primeira vez investe em um trabalho em unidades de ensino na periferia, bairros e distritos da cidade.
Cercada de desafios em função da dificuldade em envolver escolas e alunos no universo da arte, a tarefa, por outro lado, também é celebrada, principalmente por impactar a vida de jovens.
“Os alunos amam e me cobram. Não posso faltar ou chegar atrasado, senão levo bronca”, conta o maestro, referindo-se às crianças da escola da Vila Mimosa. “Os professores contam que elas amam os ensaios, falam sobre o coral a semana inteira”, afirma.
Esses jovens fazem parte de um projeto, que nasceu após a pandemia. Criado pelo maestro Wilson Nascimento e selecionado pelo Instituto Dona Neném, a ação já integrou cinco escolas públicas de Campinas e atingiu mais de 300 crianças e adolescentes desde o ano passado. Mas a tarefa é árdua e a receptividade demonstrada pelas crianças da EE Celestino de Campos não é tão comum.
A barreira para levar a música para dentro das unidades de ensino já surge na chegada, conta o maestro. “Os coordenadores e diretores, em geral, apreciam a arte, mas as escolas têm suas rotinas e, quando eu chego com a proposta, sugiro mudanças”, explica.
Um outro obstáculo está ligado à falta de interesse de alguns alunos. “Em uma escola do Parque Oziel, o trabalho era desenvolvido com estudantes do ensino médio e precisou ser interrompido, pois a proposta não os atraiu. No Jardim São Marcos, também organizei aulas, mas não houve prosseguimento, já que as atividades eram voluntárias e, após um tempo, não havia muitos alunos presentes.”
Segundo Nascimento, as crianças demonstram mais interesse do que os adolescentes.
“Dentro do ensino médio, o trabalho às vezes é mais lento”, explica. As escolas EE Prof. Hilton Federici, na Vila Santa Isabel, em Barão Geraldo, e EE Prof. Dante Alighieri Vita, no Jardim Santana, também são alvos do projeto. O maestro conta que de todas as unidades atendidas, apenas a de Barão Geraldo tem um espaço para ensaio.
As aulas já resultaram em apresentações dentro de escolas, para professores e pais de alunos, e em eventos acadêmicos, mas o maestro quer ir além. O objetivo, neste segundo semestre, é começar a impactar o dia a dia da população campineira por meio dos corais. “A intenção é levar grupos para cantar em unidades de saúde e nas praças, por exemplo. Não somente em dias de celebrações específicas, como normalmente acontece, mas objetivando levar algo de diferente dentro da rotina das pessoas.”
Aprendendo a cantar junto com geografia, inglês, história…
Os ensaios começam com relaxamento, alongamento e respiração, antes das introduções das técnicas vocais. A grande parte dos alunos atendidos nunca teve contato com educação musical, embora muitos já cantem ou toquem algum instrumento por fazerem parte de alguma ONG ou igreja, diz o maestro. Alguns, aliás, o surpreendem. “Tinha um menino do 4º ano, na escola da Vila Mimosa, que era um espetáculo”, comenta, ressaltando que no mínimo um estudante por sala apresenta maior facilidade para cantar e, esses, o ajudam nos ensaios.
O repertório é formado por músicas que, para grande parte dos alunos, são novidades, segundo o maestro. “Exploramos a MPB, músicas cristãs norte-americanas do século 19, além de canções em inglês e no idioma suaíli, bastante falado no continente africano.” Com o desenvolvimento do repertório, outros ensinamentos são introduzidos para reforçar temas que os jovens já aprendem na escola. “Uma música do Caetano Veloso, um artista do estado da Bahia, já nos remete para o mapa do Brasil, assim como os alunos começam a conhecer mais sobre a África a partir do idioma suaíli. A língua inglesa também é treinada quando se canta música nesse idioma”, comenta, expondo a amplitude do projeto.
Para Nascimento, a música deveria fazer parte do currículo de todas as escolas brasileiras, assim como acontece em outros países, na Austrália, por exemplo, onde já esteve. O maestro exemplifica essa necessidade a partir de um elemento considerado por ele essencial não só no ato de se fazer música, mas também na disciplina dos jovens.
“O silêncio tem que vir antes do som e, principalmente nos dias de hoje, precisa ser praticado como um exercício na vida”, diz, considerando o contexto de agitação no qual a humanidade está inserida.