A batuta da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) está inerte, à espera de um novo maestro. Após dez anos como diretor artístico e regente titular, o chileno Victor Hugo Toro deixou o cargo. Ele pediu exoneração, alegando ter cumprido a sua missão na cidade. Se depender de um movimento articulado por intelectuais e acadêmicos, o destino da batuta já tem dono: o maestro, arranjador e compositor Júlio Medaglia, 82 anos. A campanha em defesa de seu nome cresceu desde que o historiador e jornalista Jorge Alves de Lima tornou pública essa ideia. Presidente da Academia Campinense de Letras (ACL), Lima é entusiasta de Medaglia, a quem deposita grande apreço. Para ele, com a saída de Toro, Campinas “merece um regente à altura das tradições culturais de Campinas”.
Profundo conhecedor da vida e da obra do maestro Carlos Gomes, Jorge Alves de Lima entende que Júlio Medaglia poderia contribuir de forma significativa, elevando ainda mais o nome da Sinfônica e colocando-a num patamar de repercussão internacional. “Júlio Medaglia é o maestro que a Orquestra Sinfônica da terra de Carlos Gomes merece”, resume o acadêmico. O assunto já foi objeto de reportagem do jornal Correio Popular. Nas redes sociais dos acadêmicos, o tema segue fervendo, com postagens diárias e reforço às qualidades de Medaglia. O Hora Campinas tentou contato com o maestro, mas não conseguiu. O Hora apurou que Medaglia não deseja se manifestar por entender que o tema é de competência da Prefeitura de Campinas, afinal o cargo de maestro titular da Sinfônica é comissionado, de livre nomeação do prefeito Dário Saadi (Repub).
O desejo já é de conhecimento de Dário. Ele foi, inclusive, marcado nas postagens.
Com a semente plantada por Jorge Alves de Lima, a campanha em defesa de Júlio Medaglia envolve outras entidades, além da ACL. “Um nome acima de qualquer outro”. Foi assim que definiu Sergio Galvão Caponi, presidente da Academia Campineira de Letras e Artes (ACLA). “Como presidente da Academia Campineira de Letras e Artes, e como cidadão, quero expressar nosso apoio incondicional ao nome de Júlio Medaglia (aluno da Universidade de Frieburg) para assumir a direção artística da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, não só por seu brilhante, senão inigualável currículo, mas por ser ele o maestro mais ligado a Carlos Gomes no Brasil posto que foi por sua batuta que foram regidas as óperas Fosca (1997), Maria Tudor (1998) e O Guarani, na Bulgária, quando três recitais viraram oito por exigência do publico búlgaro (algo a ser pensado caso comparemos Sófia com nossa Campinas sem teatro)”, argumentou Caponi.
Outras manifestações
A campanha em defesa de Júlio Medaglia abarca o posicionamento de outros intelectuais de Campinas, acadêmicos e profissionais que têm trânsito nos círculos sociais, políticos e artísticos. É o caso da acadêmica, cantora e antropóloga Regina Márcia Moura Tavares. “Por que não convidar este grande maestro brasileiro, de reconhecimento internacional e contatos importantes, para regente titular de nossa Orquestra Sinfônica Municipal?”, pergunta a professora aposentada da PUC-Campinas. Ela é entusiasta da música clássica, com participações regulares em ensaios líricos na ACL, antes da pandemia do novo coronavírus.
Gustavo Mazzola, jornalista, escritor e acadêmico, escreveu uma mensagem para o confrade Jorge Alves de Lima. “Estive lendo, com atenção, a biografia do maestro Júlio Medaglia: espantoso currículo, com presença em diversas ações artísticas no Brasil e no Exterior. Chamou-me a atenção seu projeto de instalar um teatro em São Bernardo do Campo, aproveitando as antigas instalações da Vera Cruz, abrangendo ainda um Centro Cultural”, menciona.
“Fui admirador de seu programa Prelúdio, na TV Cultura, quando dava oportunidade para jovens talentos líricos e instrumentais brasileiros. Também apresentou, na mesma Cultura, o programa Concertos Matinais, trazendo a lembrança a saudosa audição com o mesmo nome na TV Tupi dos anos 50. Assistia em casa ou presencialmente no Teatro Municipal de São Paulo. É, sem dúvida, a melhor sugestão para liderar a nossa Orquestra Sinfônica de Campinas, sendo admirável a sua indicação para esse importante cargo”, conclui Mazzola.
O oftalmologista Leônio Queiroz Neto, parceiro de encontros literários e amigo dos acadêmicos, também se manifestou nas redes sociais. “Campinas e sua OSMC merecem um maestro à altura dos campineiros. Nossa OSMC é maior! Precisamos ampliar esta consulta, lamentavelmente este assunto está sendo mantido em “petit comitê”, nomes têm sido sugeridos, sem nenhuma reperesentatividade…”, argumentou.
“Precisamos colocar esta consulta à sociedade, pois nós, que já presnciamos um grande regente, temos isonomia para tal. Gostariamos de ver a cultura campineira voltar a brilhar na terra do seu grande filho, Carlos Gomes”, escreveu Leôncio Queiroz Neto, referindo-se ao maestro Benito Juarez (1933-2020), que ocupou o posto por 25 anos.
Posição oficial até agora
Oficialmente, a Prefeitura de Campinas se manifestou por meio de nota enviada à imprensa pela assessoria da secretária municipal de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli. Ela lembra que o maestro Victor Hugo Toro permance no cargo até o próximo dia 31 de dezembro, que a OSMC entra em recesso em janeiro e que a decisão sobre o substituto deve ocorrer apenas em fevereiro.
“É legítimo que as entidades – pelo fervor e paixão que têm à Orquestra -, manifestem o que desejam. Inclusive por conhecer o maestro Júlio Medaglia tenho muito respeito pelo trabalho dele. Destaco a grande admiração que tenho pela sua trajetória. Explico que, neste momento, estamos em processo de análise da lista de indicação de candidatos ao cargo de maestro feita pelos músicos da Orquestra Sinfônica e Associação de Músicos da Orquestra. Ressalto que estamos fazendo todo esforço no sentido de atender o desejo dos músicos”, pondera.
E continua “A lista dos músicos foi feita a partir de uma pesquisa realizada por eles e enviada pela Associação de Músicos da Orquestra. A lista contém 5 nomes (dois deles estrangeiros e três brasileiros ou naturalizados). Quero ressaltar que respeitamos a vontade dos músicos porque eles têm entendimento do que esperam para a regência da Orquestra”, pontua.
“Nesse momento, estamos em processo de análise desses nomes, fazendo o contato com os indicados e conferindo documentação, currículo e dados da formação que o cargo exige. Estamos respeitando o desejo indicado pelos músicos e o que for resultado desses contatos será informado ao prefeito. É prerrogativa do prefeito a escolha do novo maestro da Orquestra”, finaliza Alexandra Caprioli.
Na última segunda-feira, o maestro Victor Hugo Toro foi homenageado pelo prefeito Dário Saadi e pela secretária de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli, pelos dez anos à frente da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC) como diretor artístico e regente titular. Toro recebeu o Brasão da Cidade, que o prefeito oferece para as autoridades em reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.
Quem é Júlio Medaglia
A biografia do maestro, compositor e arranjador Júlio Medaglia é robusta, conforme descrição no Wikipedia. O Hora Campinas reproduz aqui a história disponível do nome que intelectuais desejam com a batuta da OSMC.
♦ O primeiro contato de Júlio Medaglia com um instrumento foi em casa, através de Magali Sanches, empregada doméstica da família, que mais tarde viria a se tornar atriz de radionovela. Pouco tempo depois, Júlio começaria a ter aulas de violino com uma prima de sua mãe, ex-violinista da orquestra do Cine Avenida. Posteriormente participou de uma orquestra de amadores, e conhece o então oboísta Isaac Karabtchevsky, que o leva para a Escola Livre de Música de São Paulo, criada em 1952 por um dos grandes mentores musicais da época, Hans-Joachim Koellreutter.
♦ No final dos anos 1950, Koellreutter transfere-se para Salvador, no intuito de montar os Seminários de Música da Universidade da Bahia. Júlio Medaglia o acompanha e lá, se aperfeiçoa em regência, inicialmente coral e depois sinfônica. Em Salvador, é convidado pelo diretor da Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg, Artur Hartmann, para estudar regência na Alemanha.
♦ Antes de deixar o País, em São Paulo, Júlio Medaglia ajuda o musicólogo teuto-uruguaio Francisco Curt Lange a divulgar, por meio de concertos, artigos e palestras, a redescoberta de importantes partituras do barroco mineiro.
♦ Enquanto estudava na Europa, Júlio Medaglia também teve aulas de regência sinfônica em Taormina, com Sir John Barbirolli, um dos mais respeitados maestros do século XX. Também participa de cursos ministrados por Stockhausen e Boulez, durante os festivais de música contemporânea de Darmstadt. Em 1965, forma-se, com distinção, pela Hochschule für Musik de Freiburg, em regência sinfônica.
♦ No final dos anos 1960, retorna ao Brasil e participa, com Solano Ribeiro, da organização dos Festivais da Record. Nessa época, participa de movimentos artísticos de vanguarda, entre os quais o da poesia concreta, “oralizando” poemas com os irmãos Campos – Augusto e Haroldo – e Décio Pignatari.
No final de 1967, escreve arranjo para a canção Tropicália, de Caetano Veloso, que marca o início do Tropicalismo.
♦ Em 1969, é convidado, por um grupo de instrumentistas, para dirigir a orquestra Cordas de São Paulo. Com esse conjunto, viaja por várias cidades brasileiras, grava um disco (que inclui a restauração de uma obra de André da Silva Gomes, mestre de capela da cidade de São Paulo do início do século XIX) e faz um programa semanal na TV Cultura, que recebe, entre outros, o Troféu Roquette Pinto.
♦ Nos anos 1970, teve um rapido relacionamento com a cantora Maysa.
Nos anos 1980, dirige, por quatro anos, o Teatro Municipal de São Paulo. Nessa época, além de ministrar cursos sobre trilha sonora na USP e na Faap, participa no Rio de Janeiro, do “cinema marginal”.
♦ Sua participação como autor da trilha sonora e ator do filme O Segredo da Múmia rendeu-lhe os prêmios de “melhor trilha” no Festival de Gramado e de “melhor ator coadjuvante” pela Associação Paulista de Críticos de Arte.
♦ Em 1987, inicia um programa diário na rádio Cultura FM de São Paulo (Pentagrama e, depois, Tema e Variações), trabalho que manteve, ininterruptamente, até 26 de abril de 2011, quando anunciou que deixaria a emissora.
♦ No início dos anos 1990, assume a direção artística do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e, em seguida, a regência titular da orquestra do Teatro Nacional de Brasília. Na mesma época, dirige o Festival de Inverno de Campos do Jordão e participa em grandes espetáculos cênico-musicais, como: Carmina Burana, de Carl Orff; a ópera Aida, de Verdi; a História do Brasil; e a ópera afro-brasileira Lídia de Oxum, de Lindembergue Cardoso e Ildázio Tavares.
No final da década de 1990, monta uma orquestra filarmônica de nível internacional, em plena Floresta Amazônica.
♦ Atualmente, tem regido, como convidado, dentro e fora do País, e atua em diversos projetos culturais. Ensaísta e colaborador de vários periódicos brasileiros, tem livros publicados como tradutor e autor. É membro da União Brasileira de Escritores e da Academia Paulista de Letras. Em 2015, retornou à TV Cultura para apresentar os programas Prelúdio e Concertos Matinais, atração da Rede Tupi nos anos 1950.