O número de crianças e adolescentes com resultado positivo para a Covid-19 tem crescido em Campinas. O relaxamento das medidas de proteção e a falsa ideia de que as crianças não precisam de tantos cuidados podem ser os motivos. Nessa semana foi registrada a morte de um menino de cinco anos na cidade.
De acordo com o Painel Covid-19 da Prefeitura de Campinas, em todo o ano de 2020, na faixa etária de 0 a 9 anos, foram registrados 1.046 casos da doença. Em 2021, até o dia 25 de março, já são 452, o que representa 43,2% de todos os casos de 2020 em menos de três meses. Na faixa etária de 10 a 19 anos, foram 1.848 casos nos 12 meses de 2020 ante 1.142 no primeiro trimestre incompleto de 2021, o que representa 61,7% de todos os registros do ano passado.
Em todo o ano de 2020, foi registrada uma morte na faixa de 0 a 9 anos e duas na de 10 a 19. Os três primeiros meses de 2021 já contabilizam uma morte em cada uma dessas duas faixas etárias. Outro dado que colabora com esse indício de uma maior contaminação entre as crianças e jovens vem do laboratório Ramos Medicina Diagnóstica, onde até agosto de 2020 não havia registro da realização de exames em crianças. Mas, a partir de setembro, o quadro começou a mudar. De 0 a 14 anos, em setembro foram 19 positivos, em outubro 14, e em novembro dobrou: 28 positivos. Dezembro dobrou novamente: 50 positivos, janeiro 40, fevereiro 45 e agora em março já são 34 positivos em apenas 15 dias.
“É um ponto preocupante. As crianças que vão ao laboratório testar estão com sintomas. Se considerarmos que muitas são assintomáticas, o número positivo em crianças deve ser muito maior”, informou o laboratório, que atende convênios e particulares.
De acordo com o laboratório, em outubro algumas escolas decidiram reiniciar as aulas particulares, depois vieram as eleições, no final do ano os encontros familiares. Tudo isso gerou um relaxamento social generalizado e despreocupação com as crianças. Segundo o laboratório, as pessoas acreditaram que as crianças não desenvolveriam sintomas e nem ficariam doentes, o que gerou relaxamento de medidas de proteção.
“Os jovens, dos 14 aos 18 anos, estão saindo para as festas, indo para as praias, não dando atenção às máscaras, à higienização”, afirma Sérgio Coelho, diretor do Ramos Laboratório.
“Os próprios pais descuidaram das crianças, deixando ir brincar nos parquinhos e deixando trazer amiguinho em casa. Aí a gente vê casos de crianças com cinco, seis anos sendo internadas. Lembrando que elas têm de ser tratadas como adultos, com uso de máscaras, distanciamento social, higienização”, disse Sergio Coelho, diretor do Ramos Medicina Diagnóstica.
Condomínios
Um dos focos de reclamações e até brigas tem sido os condomínios, justamente pela falta de observação das crianças às regras nesse momento de pandemia. A moradora de um condomínio na região do Parque Prado tem flagrado regularmente o desrespeito nas áreas comuns.
“Isso tem sido motivo de muitas discussões no grupo do condomínio porque tem uma galera que não consegue segurar a criançada dentro de casa e tem uma galera que não consegue entender e admitir. Já teve ameaça por interfone, gravação da criançada brincando e se mandar para dentro de casa, a mãe liga ameaçando fazer boletim de ocorrência. Já teve mil baixarias, mas já teve conversas amigáveis sobre conscientização. A criançada responde mal para quem dá bronca porque está sem máscara”, conta, preferindo não revelar sua identidade.
Segundo ela, ainda que as áreas comuns estejam lacradas com fita zebrada, as crianças não ficam dentro de casa. “A criançada fica no meio das ruas, nas escadas, é bem conflituoso e realmente tem muita criança. E criança realmente não sabe usar máscara corretamente. Fica com a máscara pendurada no pescoço, não higieniza a mão toda hora. Acredito na tese de que as crianças estão sendo mais contaminadas porque estão mais expostas e estão cansadas de ficar dentro de casa, os pais não conseguem segurar”, avalia.
Uma profissional de comunicação, de 34 anos, moradora de um condomínio no Parque das Camélias, também reclama. “Infelizmente, preciso viver isolada dentro do apartamento porque as pessoas não entendem a gravidade da doença. As áreas comuns foram fechadas e os pais arrumaram um jeito de confraternizar. Todos os dias no final da tarde, as crianças se reúnem no estacionamento, em torno de 20 delas, mais alguns pais, todo mundo sem máscara”, conta.
Ela descreve que com a mudança para a fase vermelha e cobranças junto à administração, foram colocados dispensers de álcool em gel e cartazes sobre a obrigatoriedade das máscaras. “Mas boa parte dos condôminos continua sem usar máscara, sem respeitar o mínimo de distanciamento. Acontece com frequência encontrar com pessoas do meu prédio que ainda querem conversar. Tem uma vizinha sem noção que baixa a máscara para querer brincar com meu filho de 9 meses. Eu evito sair de casa”, conta a profissional que prefere não se identificar.
Especialista alerta
O médico infectologista André Bueno, do Hospital da PUC-Campinas, alerta para a mudança no comportamento do vírus. “A gente tem visto o aumento de casos em faixas etárias que no ano passado não apareciam com tanta frequência. Nos hospitais a gente tem visto pacientes jovens, de 20 a 40 anos, graves, em UTI, numa quantidade que a gente não via no ano passado. Com as crianças não é diferente. Tanto fora dos hospitais, buscando atendimento nas unidades de saúde, quanto internadas “, diz.
“Tem uma explosão de casos agora. O número total de casos está muito grande, com aumento rápido. O número absoluto nessas outras faixas etárias passa a ser muito mais visível”, explica o infectologista André Bueno.
Outra explicação é a circulação de uma variante diferente daquela do ano passado. “Apesar de ainda não conhecer plenamente as capacidades dessa variante que não existia no ano passado, a gente já sabe que é muito mais transmissível. Dessa forma, a chance de acometer as mais diversas faixas etárias é muito maior. A gente não sabe também se tem comportamento diferente do que a outra cepa nessas faixas etárias menores. Pode ter um componente biológico nessa nova variante que tenha influência nisso”, avalia o especialista.
André Bueno ressalta que o comportamento das pessoas influencia diretamente no aumento da transmissão. “Se as crianças respeitam menos as medidas de proteção, com menos distanciamento, o risco de transmissão vai ser muito grande. Se temos mais adultos infectados, vão levar para dentro de casa e a criança vai se infectar também. A orientação é respeitar o máximo possível as recomendações de medidas de prevenção. Distanciamento físico, sem aglomeração e sempre usar a máscara, inclusive em crianças acima de dois anos”, finaliza o médico.