O Dia Nacional do Vôlei é comemorado neste domingo (27), em homenagem à modalidade esportiva que mais conquistou medalhas para o Brasil na história dos Jogos Olímpicos. Ao todo, foram 23, divididas em oito ouros, 10 pratas e 5 bronzes. Embora o vôlei de praia seja responsável pela maior parte dos pódios, sendo 13 no total, o vôlei de quadra detém mais medalhas douradas, com cinco títulos, além de três vices e dois terceiros lugares.
A “primeira vez” do vôlei brasileiro aconteceu nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, quando a Seleção Masculina indoor subiu ao pódio com a medalha de prata no peito, façanha que impulsionou a modalidade no país. O inédito ouro também chegou por meio dos homens, nas Olimpíadas de 1992, em Barcelona, com uma campanha invicta sob o comando de José Roberto Guimarães.
Mais tarde, o time masculino também faturou os títulos olímpicos de 2004, em Atenas, e 2016, no Rio de Janeiro, liderado em ambas as ocasiões pelo técnico Bernardinho, um dos integrantes da chamada “Geração de Prata”, assim como Renan Dal Zotto, que dirigirá a equipe nos Jogos Olímpicos de Tóquio, neste próximo mês de julho.
Campinas, celeiro de talentos
Berço do bicampeão olímpico Maurício Lima, que ostenta as medalhas de ouro de 1992 e 2004, dentre cinco participações no maior evento esportivo do mundo, a cidade de Campinas também revelou as atletas olímpicas Vera Mossa e Rita Zanata.
Cidade do bicampeão olímpico Maurício, Campinas revelou Vera Mossa e Rita Zanata
Embora não sejam campineiras de nascença, elas defendiam o Guarani quando disputaram as Olimpíadas de Moscou, em 1980, na primeira participação da Seleção Feminina. Mossa ainda seria convocada para as duas edições seguintes, mas as mulheres só começaram a colher frutos a partir dos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, quando conquistaram a medalha de bronze, feito que seria repetido em 2000, em Sydney.
Regida por Zé Roberto Guimarães, a histórica dobradinha com brilho dourado aconteceu somente em 2008, em Pequim, e 2012, em Londres, edições também marcadas por medalhas de prata da Seleção Masculina.
Entre outros diversos talentos surgidos em Campinas, está a jovem atleta Hellen Lacava, de 24 anos, dos quais 15 dedicados ao vôlei. Nascida em Mandaguari, no Paraná, a promissora ponteira iniciou a sua trajetória nas quadras do Clube Regatas, no bairro Cambuí, bem próximo ao Colégio Madre Cecília, onde estudava.
Com passagens pelas seleções de base, Hellen defendeu importantes equipes do país e acumulou experiência internacional no vôlei universitário dos Estados Unidos, em Salt Lake. Atualmente, ela defende a equipe Okanagan Heat, da Universidade da Colúmbia Britânica, na cidade de Kelowna, no Canadá.
Início
Quando começou a treinar no Regatas, aos 10 anos, em 2006, Hellen Lacava logo despertou a atenção da então coordenadora de vôlei do clube, a ex-jogadora Maria Angélica Beraldo, mais conhecida como Gegê Beraldo, primeira campineira a defender a Seleção Feminina, no início dos anos 70.
Hellen e toda sua família praticavam voleibol no Regatas
“A Hellen e toda sua família praticavam voleibol no clube. Os pais, Rogério e Fabiana, faziam parte das equipes máster, enquanto Hellen e a irmã Rafaela integravam as categorias de base. Graças a sua estatura e determinação, Hellen teve um progresso muito rápido, sendo titular e destaque em todas as categorias que passou”, conta Gegê.
Com 1,82 de altura, Hellen acrescenta: “Meus pais não chegaram a ser profissionais, mas sempre jogaram vôlei e inclusive se conheceram dentro das quadras. Antes de me colocarem na escolinha do Regatas, eu fazia balé e natação. Desde que me conheço por gente, quis ser atleta profissional e tive bastante incentivo. Sempre ouvia dos técnicos que dedicação e comprometimento eram essenciais para seguir uma carreira profissional e esse era um sonho possível”.
Ao se mudar para o Rio de Janeiro com a família, em 2008, Hellen passou a aprimorar suas habilidades no Niterói Vôlei Clube, onde permaneceu por dois anos e se destacou na tradicional Taça Paraná.
“É um campeonato de base muito forte que acontece todo ano em Curitiba, com vários times do país. Fomos para a final contra o nosso arquirrival Fluminense e ganhamos de 3 a 2 em um jogo muito emocionante. Nesse mesmo dia, aconteceu a cerimônia de premiações individuais e fiquei muito feliz por ter sido eleita a melhor jogadora do torneio”, orgulha-se Hellen, que chegou às Seleções Carioca Mirim e Infantil.
Debutando na Seleção
Em 2011, quando já atuava pela Back/AABB/Florianópolis, Hellen Lacava foi convocada pela primeira vez para a Seleção Brasileira, sagrando-se campeã sul-americana infantil, no Uruguai.
“Quando fui convocada pela 1ª vez nem consegui ficar feliz. Não entendia o que estava acontecendo”
“Quando o meu nome saiu no site da Confederação, estava indo viajar para uma competição. Meu técnico e minhas companheiras de equipe fizeram uma surpresa e deram a notícia de que eu tinha sido convocada. Não tinha a menor ideia de que existia Seleção de base, muito menos que haveria convocação, então nem consegui ficar muito feliz porque não estava entendendo o que estava acontecendo. Quando cheguei no centro de treinamento da Seleção, em Saquarema, a minha ficha finalmente caiu de que havia sido feita uma análise de jogadoras do Brasil inteiro e eu estava entre as 20 convocadas, que depois viraram 12. A partir disso, o vôlei passou de paixão para oportunidade real de vida, então comecei a acreditar que poderia seguir uma carreira de verdade e viver disso no futuro”, relembra Hellen.
Durante a disputa do torneio continental, realizado em novembro de 2011, Hellen não apenas celebrou a conquista do troféu em seu debute na Seleção como também comemorou o aniversário de 15 anos, mesma idade que Gegê Beraldo tinha quando conquistou o primeiro de seus três títulos sul-americanos juvenis, em 1972. Gegê também foi campeã em 1974 e 1976. “Talvez a maior diferença tenha sido que, no meu caso, não havia categorias de base no interior e tínhamos que jogar e nos destacar em equipes mais velhas, o que tornava a competição mais difícil. Por sorte, fui chamada para atuar num grande clube de São Paulo desde o infantil, o que fez com que minha carreira fosse impulsionada quase automaticamente para as seleções paulista e brasileira”, compara Gegê Beraldo, que participou dos Campeonatos Mundiais de 1974 e 1978, além dos Jogos Pan-Americanos de 1975.
Em 2012, ano em que recebeu nova convocação, desta vez para a Seleção Brasileira Infanto-Juvenil, Hellen ganhou a oportunidade de vestir as cores do ADC Bradesco, de Osasco, onde viveu o seu melhor momento no vôlei doméstico. “Essa é uma fase que considero muito importante e especial, pois foram três anos onde ganhei o maior número de títulos, vários estaduais, com um time muito forte”, destaca Hellen, que ficou no Bradesco até 2014, período em que também passou pelas Seleções Paulistas Infantil e Infanto-Juvenil.
Superação
Quando completou 18 anos, Hellen Lacava decidiu tentar prosseguir a carreira nos Estados Unidos, mas esbarrou em um obstáculo bem mais complicado do que a rede de 2,24 de altura.
“Hellen enfrentou um problema muito grave de saúde que interferiu na trajetória de sua carreira, que estava em franca ascensão”
“Eu estava em contato com uma agência de intercâmbio de esporte e consegui uma bolsa para estudar e jogar na universidade Georgia Tech, valendo a partir da metade de 2015. Iniciei todo o processo de documentação, mas sofri uma embolia pulmonar e acabei perdendo essa oportunidade, pois fiquei impossibilitada de viajar e jogar. Posteriormente, consegui uma nova universidade, mas tive uma segunda embolia e o tratamento foi estendido para um ano e meio”, relata o drama particular.
“Hellen enfrentou um problema muito grave de saúde que interferiu na trajetória de sua carreira, que estava em franca ascensão”, avalia Gegê Beraldo.
Impedida de atuar durante cerca de dois anos devido ao problema de saúde, Hellen deu a volta por cima, recuperando-se e retomando as atividades. “Como eu achava que não poderia mais fazer faculdade nos Estados Unidos por conta das regras de elegibilidade, voltei a tentar carreira profissional pelo Brasil, conciliando com uma faculdade on-line”, descreve Hellen. Ela voltou à ativa para defender o Botafogo, em 2016, antes de ser vice-campeã da Superliga B pelo Clube Curitibano, em 2017. “A gente jogou a final contra o Barueri, que hoje está na Super Liga A. Na época, era o time do Zé Roberto Guimarães, técnico da Seleção, e contava com várias atletas importantes. Perdemos feio, mas foi um jogo muito especial, que inclusive passou no SporTV”, destaca Hellen.
Nova chance
Em 2018, Hellen Lacava renovou as esperanças de se transferir para o vôlei universitário norte-americano, graças ao trabalho da agência Tie Break, fundada pelo brasileiro Mark Plotyczer, que possui cidadania inglesa e inclusive disputou os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, pela Grã-Bretanha.
A jornada da jogadora fora do país começou na Salt Lake Community College
“O Mark ficou sabendo da minha situação, entrou em contato comigo e me explicou que era possível jogar por um ou dois anos em um college dos Estados Unidos e depois fazer transferência de créditos para uma universidade do Canadá, onde as regras são mais flexíveis e me permitiriam terminar a graduação com bolsa integral até o fim”, explica Hellen.
Desta forma, a jornada fora do país começou na Salt Lake Community College, no estado americano de Utah, no segundo semestre de 2018, e continuou na Universidade da Colúmbia Britânica, na região canadense de Okanagan, a partir de agosto de 2019. “Quando eu fui aceita e assinei com a universidade no Canadá, fiquei muito emocionada porque é uma das 40 melhores universidades do mundo. Eu nem acreditava que estava vivendo aquilo, parecia coisa de filme”, diz Hellen, que cursa Engenharia Civil.
Apesar das dificuldades naturais de adaptação, especialmente em relação a língua e cultura, Hellen aponta o gerenciamento do tempo e a valorização de oportunidades como os principais aprendizados no exterior. Além de se dedicar aos estudos e ao esporte, ela também trabalha e atua como voluntária dentro do campus de Kelowna.
“Só moro fora dele por opção minha. Tenho todas as oportunidades dentro de um mesmo lugar, o que seria impossível no Brasil. A organização e estrutura são absurdamente melhores comparadas a maioria dos times brasileiros que conheci, mas é difícil comparar o profissionalismo, pois os objetivos são diferentes em geral e isso influencia a postura e forma de agir de todos os envolvidos. O Canadá ainda não tem nenhum campeonato profissional, então a liga universitária é o que existe de mais forte no país. Os atletas ganham bolsa para jogar e têm que manter as notas, pois as duas coisas caminham juntas, ao contrário do Brasil, onde não há essa valorização pelo estudo e a preocupação é somente com o seu rendimento dentro da quadra”, contrapõe.
“Penso que o melhor nesse momento para Hellen é seguir sua carreira onde está, pois terá uma profissão e bons anos se divertindo nas quadras, uma vez que o Brasil não estimula o esporte nas universidades. Creio que no Canadá, participando de uma Liga Universitária, ela tenha ainda muita expectativa de sucesso”, analisa Gegê Beraldo.
Pandemia
Com a chegada da pandemia de Covid-19, em março do ano passado, a liga universitária canadense precisou ser paralisada, assim como todas as competições esportivas do planeta, o que levou Hellen Lacava a retornar ao Brasil e cumprir as regras de distanciamento social em Campinas, onde sua mãe reside.
Durante a pandemia, os treinos foram na sala de casa ou na escada do prédio
“A faculdade fez a adaptação para o sistema on-line em exatamente dois dias, então foi tudo muito rápido e não fiquei sem aula em nenhum momento. Como não havia academia disponível, passei a maior parte do tempo fazendo treinos individuais na sala de casa, com alguns equipamentos próprios, ou então na escada do prédio. Tive suporte do preparador físico do meu time do Canadá por meio de chamadas de vídeo, mas os treinos técnicos com bola foram bem raros, somente nos momentos em que não estávamos na fase vermelha. Cheguei a bater bola no Regatas com algumas meninas mais novas, além de jogar com a minha mãe em uma quadra ao ar livre perto da minha casa”, conta Hellen.
Em julho do ano passado, Hellen aproveitou o período pandêmico para realizar uma cirurgia no ombro direito. “É justamente o ombro que ataco. Eu tinha essa lesão há quatro anos e decidi que a pandemia seria o momento certo para tratá-la. Logo após a cirurgia, fiquei completamente imobilizada, com dificuldade para estudar, produtividade baixa e sempre precisando usar minha mão esquerda. Manter a paciência durante o primeiro mês foi bem difícil, mas depois fui me acostumando e fiquei fazendo fisioterapia até janeiro. Foi um processo lento, mas respeitei o tempo”, garante Hellen, que retornou ao Canadá no último mês de maio e agora está em busca de readquirir a condição física ideal visando à próxima temporada, que começa em setembro.
Futuro
Com previsão de graduação em 2024, Hellen alimenta o sonho de retornar à Seleção Brasileira e projeta disputar as Olimpíadas de 2028, em Los Angeles, exatamente onde começou a vitoriosa trajetória olímpica do vôlei brasileiro há quase 40 anos.
“Parece meio clichê, mas acredito que o sonho de todo atleta é jogar uma Olimpíada”
“Parece meio clichê, mas acredito que o sonho de todo atleta é jogar uma Olimpíada. Eu quero continuar jogando por pelo menos mais 10 anos, até o corpo chorar e realmente não aguentar mais porque eu amo muito o vôlei. Não tenho planos de voltar para o Brasil tão cedo e imagino jogar em equipes profissionais de países diferentes para experimentar várias culturas”, diz.
“É claro que isso depende da situação de remuneração para viver com tranquilidade e conforto, até porque a carreira de atleta é muito curta”, pontua Hellen, cuja maior inspiração dentro das quadras é a ponteira Gabriela Guimarães, a Gabizinha, da Seleção Brasileira, com quem conviveu durante um breve período, em 2018.
“Antes da minha ida para os Estados Unidos, tive a oportunidade de treinar com o time do Sesc RJ por alguns meses. Era o último ano da Gabizinha jogando lá com o Bernardinho e ela estava se recuperando de uma lesão. Foi sensacional e deu para conhecê-la melhor dentro e fora de quadra. A sua técnica, mentalidade positiva e capacidade de resiliência são incríveis e me inspiram. Isso faz toda a diferença para uma atleta”, conclui Hellen. Neste último sábado (26), Gabizinha foi convocada pelo técnico José Roberto Guimarães para disputar os Jogos Olímpicos de Tóquio.