O presidente Jair Bolsonaro é um político de alta beligerância. Decorridos 32 meses de um governo turbulento e sem projetos consistentes em áreas vitais, o chefe da Nação, que ocupa a principal cadeira republicana e para a qual deveria haver sensatez e equilíbrio, flerta com atos antidemocráticos e golpistas. Sua colossal energia para assuntos delirantes lança parte substancial da população brasileira, sobretudo a mais vulnerável, a um processo de desarranjo econômico, social e mental.
Toda essa fervura palaciana, que une personagens civis e militares, deveria ser canalizada para temas urgentes e inadiáveis, como inflação galopante, desemprego nas alturas, pobreza crescente e uma pandemia de Covid-19 ainda não controlada. Dispensável lembrar o repugnante comportamento do presidente ao longo da maior crise sanitária em séculos.
Ali estava um Jair Bolsonaro negacionista e insensível.
Mais que isso: sua personalidade e seu círculo de assessores radicais geraram uma brutal incapacidade de liderar o País para um enfrentamento convergente. O resultado está aí, materializado em mortes, dor e orfandade. Números evitáveis se tivesse havido de Bolsonaro o mínimo de respeito à ciência.
Conhecido por seu temperamento inquieto e errático, o presidente caminha agora perigosamente para mergulhar o Brasil num processo de radicalismo. Todo o discurso que o presidente usava para condenar ditaduras latinas, como Venezuela e Cuba, tem sido ignorado nessa marcha bolsonarista de ataques às instituições democráticas. Nas últimas semanas o sistema de pesos e contrapesos brasileiros foi testado à exaustão. Além de falas ameaçadoras e dúbias, aliados de Bolsonaro têm lançado mão de estratégias digitais de incitamento ao ódio, à ruptura e à violência.
Neste sentido, cai por terra a justificativa do presidente e de seus seguidores de que o Supremo Tribunal Federal (STF) estaria cerceando a liberdade de expressão. Criticar o STF, considerá-lo corrupto e defender mudanças no sistema vigente não são atitudes criminosas.
Crime é organizar movimentos para invadir a Corte. Crime é publicar videos estimulando o armamento civil.
Crime é encorajar seguidores a romper com o Estado Democrático de Direito em nome de um futuro supostamente messiânico. Afinal, o desejo de Bolsonaro é “enquadrar” ministros que o estão contrariando, como Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Ora, faça-se isso por meio do ordenamento jurídico.
O comportamento de líderes mundiais com viés tirano, como Bolsonaro tem se mostrado, é muito parecido: arroga-se uma importância maior do que tem. Ninguém é mais soberano que a Constituição, e a ela Bolsonaro também tem de se vergar. Se determinadas decisões da alta instância do Judiciário foram consideradas exageradas, que se busque o recurso. Que se mire o entendimento. Esse é o caminho.
Às vésperas do Dia da Independência, paira no País uma atmosfera de apreensão. Ainda que tente negar, usando um típico discurso bipolar (uma hora diz uma coisa, outra hora atenua o que disse), Bolsonaro deu todos os sinais de que busca uma espécie de redenção. É simbólico ter definido o 7 de setembro.
A questão é que ao convocar seus seguidores para uma guerra, com palavras literais, Bolsonaro fortalece perigosamente policiais militares simpáticos a suas causas. O risco de insurgência é real. E se radicais estiverem armados nas manifestações? Se houver tumulto? Se houver brigas entre bolsonaristas e movimentos contrários? Esses atos são hoje, com razão, uma preocupação internacional.
Em Campinas, por exemplo, os dois grupos estarão separados por cinco quadras: no Largo do Rosário, os pró-Bolsonaro, e no Largo do Pará, os contrários ao presidente. Numa democracia, isso seria natural. Mas com Bolsonaro, tornou-se ameaça.
Os capítulos da crise entre os Poderes têm sido cada vez mais tensos. Num país polarizado, que não acertou ainda as contas com o passado, manifestações como a de terça-feira geram tensionamento geral. Notas de entidades representativas da sociedade, entre elas as do peso pesado do PIB brasileiro, circularam nos últimos dias dando uma amostra desse clima de temor. Sabe-se que é Bolsonaro o agitador dessa inquietação.
Os argumentos que recorrentemente os apoiadores de Bolsonaro utilizam para fortalecer seus arroubos autoritários (inclui-se aqui a patética desconfiança da urna eletrônica, sem jamais ter apresentado provas concretas) perpassam a tragédia da política econômica do governo de Dilma Rousseff e os escândalos de corrupção da era petista, como mensalão e petrolão.
Esse olhar para o retrovisor é necessário. O PT não fez sua mea culpa e não teve a dignidade, até agora, de encarar o purgatório de seus erros e atos contra o erário público.
Tampouco construiu pilares junto a uma oposição inteligente e propositiva. É uma das razões da polarização cada vez mais acentuada.
Por outro lado, Bolsonaro e seus seguidores mais radicais não podem justificar atos golpistas e antidemocráticos com a desculpa de impedir a volta do “comunismo”. Esse é um argumento que contraria a lógica da disputa leal do jogo político. Para ficar numa expressão bastante usada pelo presidente recentemente, é preciso atuar “dentro das quatro linhas” da Constituição.
E é isso que se espera de quem for às ruas na terça-feira. É isso que se espera das lideranças desses atos. E é isso que se espera do presidente Jair Bolsonaro. Que mire sua energia para os problemas da Nação e pense em eleição só quando for o momento. Até 2022, muitos problemas estarão batendo a sua porta, entre eles a crise energética.