Tempos atrás, quando criança, Aretha Duarte queria um par de patins. Como a família não tinha recursos, juntou recicláveis até conseguir os R$ 109 que precisava para realizar o desejo. Quase três décadas depois, e com muitas toneladas a mais de latinhas recicladas, Aretha cumpriu outro sonho: o de alcançar o cume do Monte Everest. É claro que os R$ 400 mil que precisou para cobrir toda a expedição não vieram apenas das latinhas. O dinheiro foi juntado às custas de determinação, empreendedorismo, patrocínios, apoios e uma excepcional lição de vida.
O projeto Everest de Aretha, de 37 anos, começou há mais de um ano. Uma parte dele foi cumprida no dia 23 de maio, quando atingiu o topo do mundo. A outra vai começar. A significância do resultado não está somente na superação física, mas em tudo que envolve barreiras sociais. A primeira mulher negra da América do Sul a vencer o Everest quer a companhia de seus pares em conquistas parecidas. E é focada nesse objetivo que tem início a nova fase do projeto iniciado por uma empreendedora destemida, nascida e criada na periferia.
Aretha pisou de volta no Brasil na madrugada desta quinta-feira (4), às 3h20. No Aeroporto de Guarulhos, ganhou abraços saudosos da mãe Euleide e da avó Josefa, de 91 anos e coração forte para aguentar a aventura da neta famosa. Amigos fizeram companhia à montanhista na viagem até Campinas no ônibus Gorilão – a Ponte Preta foi uma das apoiadoras de Aretha e cedeu o transporte -, pequeno para tanta saudade de amigos e familiares.
Poucas horas depois de chegar, Aretha estava a postos para uma coletiva de imprensa em Campinas, na qual deu uma prévia da relevância das causas que defende. A entrevista teve transmissão on-line, porém, algumas mulheres jornalistas foram convidadas para o encontro presencial.
“Minha missão é difundir que as mulheres podem conseguir o espaço que quiserem, que elas podem lutar por tudo que quiserem conquistar, que as causas socioambientais são importantes. Estou feliz porque essa entrevista com vocês, mulheres, acontece na véspera do Dia do Meio Ambiente”, afirmou, no início da entrevista.
Aretha recorda que em meio às mais variadas emoções envolvidas na escalada mais cobiçada e difícil do planeta, dois momentos vieram acompanhados de lágrimas. O primeiro deles, diz, foi quando estava no avião a caminho de Doha, escala até o Nepal. “Nessa hora eu me toquei. O avião estava vazio, olhei em volta e eu caí aos prantos. ‘Caraca, deu certo, daqui a pouco estou no Nepal’, pensei, chorando, certa que iria mesmo começar minha expedição”.
“Ele secou minhas lágrimas, colocou minha máscara de volta, virou as costas e seguiu em frente, sem falar nada”, contou Aretha
O segundo momento em que o choro não se conteve aconteceu durante o ataque cume. E, nesse caso, foi por um misto de sensações. “Depois de 2h30, meu guia disse que estava com muito frio, que a gente teria de voltar. Então pedi por favor para que continuássemos. Ele seguiu, mas aí eu me toquei que era a segurança dele, a vida dele, sabia do risco e estava forçando. Três passos depois pedi para ele parar, tirei minha viseira, minha máscara de oxigênio e, chorando, falei: ‘ a gente pode voltar agora’. Ele secou minhas lágrimas, colocou minha máscara de volta, virou as costas e seguiu em frente, sem falar nada. Ele parou de sentir frio e chegamos ao cume”.
Foram dez horas de escalada do acampamento 4, a 7.924m de altitude, até o cume, que fica 925 metros acima. Cinco horas para descer de volta ao acampamento 4. E dez minutos de contemplação no topo da montanha. “Estava muito frio, cada alpinista pode ficar até 40 minutos lá em cima, mas tinha muita gente, minha água tinha congelado. Tiramos umas fotos, conversamos um pouco, contemplamos e voltamos”, recorda Aretha, que sofreu congelamento do dedo anelar, queimaduras na retina e, antes de iniciar o ataque, superou um edema pulmonar provocado pela altitude. Seu guia sofreu queimaduras de frio nas mãos e se recuperou bem.
“No nosso futuro tudo é possível, é isso que provei”, disse Aretha
A montanhista que trabalha desde que estava no 4º ano da escola não sabe quais serão as próximas montanhas que conquistará, porém, tem a conta exata das batalhas escolhidas daqui para a frente. “É certo que escalarei outras montanhas. Por hora, vou retomar minha luta pelas causas socioambientais, repassar o aprendizado que consegui, inspirar outras pessoas e as crianças a lutar pelo que querem. No nosso futuro tudo é possível, é isso que provei.”
Parte de suas metas começou a ser cumprida nesta quinta-feira (4). Laís Fernande, da 365 Palestras, diz que houve aumento de 50% na procura pelas experiências de vida e lições de Aretha. Não faltarão oportunidades para a montanhista inspirar e empoderar outras pessoas a vencer as próprias montanhas.
Veja os vídeos de Aretha na chegada ao Aeroporto de Guarulhos (feito pela Sala5) e no topo do mundo (Gabriel Tarso):