A possibilidade de comemorar o Dia dos Pais é uma conquista e sinônimo de superação para muitas pessoas, ainda mais em meio a uma pandemia que já caminha para completar seu 17º mês no Brasil. Os momentos de união entre pais e filhos ganham significado ainda mais especial.
Um desses exemplos de superação é o compositor e produtor Aurélio Giesbrecht Artioli, de 31 anos, que foi diagnosticado com Leucemia LLA ainda criança, aos 9 anos. Ele tem muito o que comemorar. “A melhor coisa do mundo é se sentir feliz com a sua família”, afirma Artioli.
Ele ficou dois anos e meio no Centro Infantil Boldrini, em Campinas, onde teve o tratamento, conheceu pessoas importantes para o seu desenvolvimento e também recebeu a notícia de que o seu câncer havia sido curado. Comemorou a vitória no seu aniversário de 13 anos. “Fiquei muito feliz quando descobri que não precisaria mais ser furado com tanta frequência, pois o tratamento, por mais humanizado que seja, não deixa de ser invasivo”, lembra Aurélio.
“A melhor coisa do mundo é se sentir feliz com a sua família”, afirma Artioli.
Nos anos em que ficou no hospital, o produtor afirma que aprendeu valores humanos que dificilmente conheceria se não tivesse passado por essa situação. “Aprendi que não existe nada melhor do que estar vivo, não importa quão horrível é a situação que você tem que passar, tudo vai ser calmo e gentil se você simplesmente entender que tristeza e desespero são escolhas”, explica Artioli, dizendo que vai ensinar isso aos seus filhos.
Hoje, é pai de duas crianças, Ravi, de 4 anos, e a recém-nascida Luna. “Minha família é muito grande (…), me casei aos 22 anos, minha esposa é artista plástica, e desde o primeiro momento a gente pensou em formar uma família bem louca, com a nossa cara”, brinca.
O compositor conta que gosta de aproveitar cada momento com as crianças, quando pode observar o desenvolvimento dos pequenos e a criação da subjetividade de cada um. “Ravi é um menino muito inteligente, questiona coisas muito engraçadas, como, por exemplo, por que Saturno tem anéis e Júpiter não. Luna, com 20 e poucos dias, já interage com sons e cores”, revela.
Por conta da pandemia, a vivência familiar ficou mais intensa, e isso permitiu que ele estivesse mais presente na vida dos filhos. “Brincamos de várias coisas no quintal, fazemos atividades escolar, o Ravi me ajuda a preparar algumas refeições, jogamos videogame junto. Faço questão que ele tenha experiências legais e divertidas, que instiguem o desenvolvimento da percepção”.
Sobre a vivência com Luna, Artioli diz que nas últimas semanas ele e a esposa, Jéssica, estão aproveitando a licença maternidade dela para dedicar cada momento aos cuidados das crianças, tentando suprir a falta do convívio social que naturalmente os pequenos teriam nessa etapa da vida, não fosse o isolamento social.
Olhando para trás, o produtor relembra dos seus primeiros contatos com os profissionais do Centro Infantil Boldrini, e como aquela época o ajudou a ser a pessoa que é hoje. “Chegando ao Boldrini, minha experiência como criança foi entrar num ambiente diferente, colorido, com ar positivo, cheio de quadros e desenhos na parede”.
Conta que foi um tratamento extremamente humanizado, onde desenvolveu a sua sensibilidade artística e teve experiências importantes. “Me lembro de ter visitado inúmeras exposições em museus em São Paulo, Campinas, lembro de ter tido contato com muitos artistas importantes e também onde tive minhas primeiras experiências como artista, expondo meus desenhos e esculturas no Mc Dia Feliz”, relembra.
Atualmente, além de pai de dois, Aurélio trabalha com música, composição, gravação, vinhetas, trilhas sonoras e tem um projeto de apoio coletivo, onde distribui, semanalmente, materiais inéditos, chamado “O som da Vida”. Ele também tem três álbuns de música experimental no Spotify.
Mais superação
Outro exemplo de superação é o viticultor Evandro Aquilino Marquesin, de 44 anos, morador de Jundiaí. Em março, ele e os pais ficaram internados por conta da Covid-19, apesar da tristeza de ter perdido os pais, ele se sente grato por estar vivo e poder comemorar o Dia dos Pais com os filhos.
De acordo com ele, o pai, Aristeu Antônio Marquesim, de 69 anos, pegou o vírus ao ajudar em uma quermesse de uma igreja da cidade. “Ele pegou de um amigo que estava trabalhando lá. Eles não tomaram muito cuidado, comeram junto lá”, diz.
O pai e a mãe, Sheila Maria Marquesim, de 64 anos, foram internados no dia 21 de março deste ano. Marquesim foi internado no mesmo hospital que os pais, no dia 28 do mesmo mês. “Eles foram intubados no dia da internação. Meu pai saiu da intubação três dias depois, mas teve complicações. Teve um coágulo que rompeu entre o rim e o intestino. Os dois faleceram no dia 5 de abril. Ele, às 8h, e ela, às 8h15”, conta o viticultor.
“Já passei o primeiro Dia das Mães sem minha mãe e agora é o primeiro Dia dos Pais sem ele”, conta Evandro Aquilino Marquesin
Mesmo estando internado no mesmo hospital, Marquesim só soube do falecimento dos pais quando a sua esposa pôde avisá-lo. “Ela foi no hospital e me contou. Eles foram sepultados no dia seguinte, minha mulher fez uma live para eu poder acompanhar. Foi muito triste ver os dois sendo enterrados juntos. Para mim foi uma barbaridade muito grande porque eu estava ali do lado e não pude fazer nada”, comenta.
Ele e o pai estavam todo os dias juntos por conta do cultivo da uva e fabricação do vinho. “A nossa convivência era diária. Ele gostava muito do sítio, adorava sítio. Eu nunca liguei muito para o Dia dos Pais porque eu tinha meu pai comigo todo dia. Era um dia normal porque a gente estava todo dia junto, conversando”, diz.
Contudo, admite que esse ano está difícil. “Esse ano está difícil, tem muita saudade, lembranças. Meu pai fazia tudo, me ajudava muito, tinha muita sabedoria e sabia tudo do sítio. Graças a Deus que tenho meus dois moleques, um de 16 e outro de 17 anos. Já passei o primeiro Dia das Mães sem minha mãe e agora é o primeiro Dia dos Pais sem ele”, diz.
Marquesim recorda que por um momento não queria comemorar a data. “Tem momentos que a gente fica muito chateado. Mas minha esposa me lembrou que tenho de fazer isso pelos meus filhos. Eu fiquei muito feliz de ter voltado do hospital, porque achei que ia morrer lá. Graças a Deus saí, estou meio fraco ainda, mas pude me recuperar, graças a Deus e estar com eles.”
“Gosto demais dos meus filhos. Mas a falta dos meus pais é muito grande”, admite Marquesim
Apesar das dores, a gratidão e alegria por estar vivo são maiores e ele deixa uma mensagem para pais e filhos. “A mensagem que eu deixo é: não deixe de fazer as coisas, não deixe de ficar junto com seu pai por causa de trabalho, não vale a pena. Eu deixei de falar muita coisa para o meu pai, deixei de fazer muita coisa com meu pai, deixei de ir a muitos lugares com meu pai por causa de trabalho. Deixei de conversar muita coisa com ele e agora eu não tenho mais ele aqui comigo. Essa parte é extremamente triste. A mensagem que eu deixo é essa, aproveite seu pai, curta seu pai, curta sua mãe. Se possível, fique junto sempre, não só no Dia dos Pais”, conclui.