A Editora Mostarda, de Campinas, e a Secretaria Municipal de Educação deram início na manhã desta segunda-feira (28) ao recolhimento da obra sobre o abolicionista Luiz Gama. O livro, por um erro de edição, impressão e revisão, trouxe indevidamente uma imagem de suástica na capa, o símbolo nazista. A editora e o autor da obra, como mostrou o Hora Campinas em reportagem na edição deste domingo, são conhecidos por um notório trabalho de combate ao racismo e à intolerância.
O caso gerou grande repercussão, além de constrangimento aos gestores da Pasta e da editora, e também ao autor da obra, o jornalista e escritor Francisco Lima Neto, que integra o time do Hora Campinas. O profissional é um ativista assíduo de políticas de afirmação e de uma agenda voltada à comunidade preta, sempre com um olhar de acolhimento às pessoas vítimas de racismo e injúria racial.
A impressão dessa imagem indevida revelou-se uma falha, reforça a Mostarda.
A capa passou por várias instâncias sem que fosse percebida. Em nota a editora atribuiu o erro a um problema de impressão “no recorte da estampa étnica do fundo, que é vetorial”. Quem trabalha no mercado digital e impresso conhece o que é um arquivo em vetor. Ele é uma imagem gerada a partir de vetor matemático e não em pixel, como geralmente são as fotos em PNG ou JPEG, por exemplo. Uma imagem vetorial é derivada de um modelo matemático, portanto. O que teria levado a essa imagem uma espécie de “sujeira”, na linguagem popular de paginadores e de quem trabalha com design.
Retirada da obra das escolas
Diante do erro, que foi denunciado pela vereadora Guida Calixto (PT), de Campinas, os livros estão sendo levados de volta à editora. A obra foi adotada este ano pela Pasta da Educação. “Será feita a imediata substituição de cada exemplar que já tenha sido distribuído”, ressalta a Mostarda, em nota.
De acordo com a editora, começou nesta segunda-feira o recolhimento dos livros que ainda não haviam sido distribuídos no almoxarifado da Prefeitura de Campinas. “Este é primeiro passo que está sendo feito com a máxima agilidade”, realçou a Mostarda.
“Ao mesmo tempo, a Secretaria Municipal de Educação de Campinas já comunicou os diretores das escolas que receberam os livros solicitando o recolhimento das obras que já foram entregues aos alunos. Em seguida, a Editora Mostarda irá em cada escola para recolher os livros, substituir a capa de cada livro para, em seguida, enviar novamente às escolas”, conclui a direção da empresa.
Pedido de desculpas
A Editora Mostarda, “mais uma vez”, se desculpou pelo ocorrido. E lembra que esse episódio “não expressa” os valores da companhia. “Nosso empenho é o de oferecer uma educação antirracista. Por isso, a editora jamais permitiria uma atitude proposital deste tipo, seria uma contradição dentro da proposta da Editora Mostarda”, acrescenta.
“Assim que fomos alertados deste erro, retiramos a capa da obra do site e interrompemos imediatamente a comercialização do título até que nova capa, que já está em impressão, esteja disponível. Todos os leitores que já tenham adquirido o livro também poderão solicitar a troca gratuita pelo site da editora”, conclui a Mostarda.
Quem foi Luiz Gama
A obra de Francisco Lima Neto tem o objetivo de jogar luz na história de mais um personagem negro da história que, ao longo do tempo, sofreu uma espécie de apagamento. É justamente isso que tem feito a Editora Mostarda com outros nomes do universo Black Power.
De acordo com o site E Biografia, Luiz Gama (1830-1882) foi um importante líder abolicionista, jornalista e poeta brasileiro. É o patrono da cadeira nº 15 da Academia Paulista de Letras. O texto do site informa que Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em Salvador, Bahia, no dia 21 de junho de 1830. Era filho de um fidalgo de origem portuguesa (cujo nome jamais citou) e da escrava livre Luiza Mahin que, segundo ele, participou da revolta do Malês em 1835 e da Sabinada em 1837 e, como consequência teve que fugir para o Rio de Janeiro, deixando o filho aos cuidados do pai.
Em 1840, com 10 anos, Luiz Gama foi levado, por seu pai, para o Rio de Janeiro e vendido ao negociante e alferes Antônio Pereira Cardoso, para pagar uma dívida de jogo. Pelo fato de ser baiano, que tinha fama de insubordinado, o comerciante não conseguiu vendê-lo e o levou para sua fazenda no município de Limeira.
Com 17 anos, Luiz Gama conheceu o estudante Antônio Rodrigues do Prado, hóspede da fazenda de seu pai, que lhe ensinou a ler e escrever.
Em 1850, Luiz Gama casou-se com Claudina Gama, com quem teve um filho. Ainda em 1850, Luiz Gama tentou ingressar no curso de Direito do Largo de São Francisco, mas a faculdade recusou sua inscrição porque era negro, ex-escravo e pobre. Mesmo sendo hostilizado pelos professores e alunos, ele assistia às aulas como ouvinte.
Em 1854, após uma insubordinação na Força Pública, ele ficou 39 dias preso, sendo em seguida expulso da corporação. Mesmo sem ter se formado em Direito, adquiriu conhecimentos que lhe permitiu atuar na defesa jurídica dos escravos. Em 1856 tornou-se escriturário da Secretaria de Polícia da Província de São Paulo.
Em 1864, junto com o ilustrador Ângelo Agostini, Luiz Gama inaugurou a imprensa humorística paulista ao fundar o jornal Diabo Coxo, que se destacou por utilizar caricaturas que ilustravam as reportagens dos fatos cotidianos da conjuntura social, política e econômica, o que permitia os iletrados compreenderem os fatos.
Em 1869, junto com Rui Barbosa, fundou o Jornal Paulistano. Colaborou com diversos jornais progressistas, entre eles, Ipiranga e A República.
Luiz Gama esteve sempre envolvido nos movimentos contra a escravidão, tornando-se um dos maiores líderes abolicionistas do Brasil. Em 1873 participou da Convenção de Itu, que criou o Partido Republicano Paulista. Nos tribunais, Luiz Gama usava uma oratória impecável e com seus conhecimentos jurídicos defendia os escravos que podiam pagar pela carta de alforria, mas eram impedidos da liberdade por seus donos. Defendeu os escravos que entraram no território nacional após a proibição do tráfico negreiro de 1850.
Participava de sociedades secretas, como a Maçonaria, que o ajudava financeiramente.
Luiz Gama projetou-se na literatura em função de seus poemas, nos quais satirizava a aristocracia e os poderosos de seu tempo. Muitas vezes ele se ocultava sob o pseudônimo de Afro, Getulino e Barrabás. Luiz Gama faleceu em São Paulo, no dia 24 de agosto de 1882, aos 52 anos, por complicações da diabetes.
De acordo com o E Biografia, “vítima do apagamento histórico por mais de um século, aos poucos, o papel de Luiz Gama vem sendo resgatado.
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