Nos últimos meses, o País tem acompanhado com apreensão uma escalada de preço de diversos itens em todos os segmentos da economia e, claro, os reflexos têm sido sentidos em Campinas e nas cidades da região. Produtos da cesta básica, como arroz, feijão, óleo, açúcar, e as carnes, têm tirado o apetite da população. Além disso, o combustível, o gás de cozinha e a energia elétrica estão pesando ainda mais no bolso dos consumidores, que buscam alternativas para diminuir esse impacto. Com o achatamento da renda e aumento do desemprego, as camadas mais vulneráveis são as mais atingidas. Economista aponta que além da questão climática, a inflação é impulsionada pela instabilidade política, que afeta a confiança dos investidores.
A gasolina sofreu diversos ajustes de preço neste ano. No acumulado, a alta chega a cerca de 51%. O preço do combustível impacta diretamente toda a cadeia produtiva e esse impacto é transferido para todos os produtos, do vestuário, passando pelos medicamentos, até os alimentos. De acordo com a Petrobras, no Estado de São Paulo, em média, o preço da gasolina está em R$ 5,62, mas em alguns postos é comum encontrar o produto acima dos R$ 6,00.
O impacto dessa alta de preços em todos os setores tem tirado o sono dos moradores das cidades da região de Campinas, bem como de todas as partes do País, principalmente, em um momento de alta taxa de desemprego, informalidade e achatamento da renda.
Uma dessas pessoas é Maria das Dores Mendes da Silva, de 40 anos, moradora em Campinas. Ela trabalha como terceirizada do setor de limpeza de uma escola municipal de Campinas. Mas para complementar a renda, vende doces e bolos por encomenda. Ela sentiu o golpe dos preços altos diretamente na sua fonte de renda extra. “Está tudo 100% mais caro, tudo, tudo, tudo. A barra de chocolate de dois quilos, por exemplo, era R$ 35, hoje está entre R$ 61 e R$ 65. O chantily de um litro era R$ 6,90 agora é R$ 12,90. Antes, eu comprava a caixa fechada com 10 chantilys, hoje eu compro seis, oito, no máximo”, conta.
Em vez de comprar nas lojas físicas especializadas em confeitaria, ela tentou comprar pela internet e conseguir algumas promoções, mas em pouco tempo essa opção também deixou de ser viável por conta do preço. Ela precisou repassar os preços para continuar trabalhando. “O que eu fiz foi comprar menos e aumentar o preço das coisas. O quilo do meu bolo era R$ 45 reais, agora é R$ 50. O bolo de pote era R$ 6 agora é R$ 8. Era para eu aumentar mais, mas pelo bairro não posso aumentar mais senão as pessoas não compram. Era para ser R$ 60 o quilo do bolo. Eu acabo perdendo muito, mas vou driblando para poder sobreviver senão não dá”, diz.
Mudança de planos
Quem também precisou mudar os planos de vida foi a coordenadora de projetos de comunidade Daiane Martins, de 37 anos, de Campinas. Ela, junto do marido e da filha de dois anos, optou por sair do apartamento próprio e voltar para uma casa individual no mesmo terreno dos pais dela para manter as finanças em dia. O marido ela empreendedor, no ramo de alimentos e depois no de transporte, mas devido às dificuldades dos setores voltou para o mercado formal. Ela não conseguiu voltar ao mercado depois do nascimento da filha.
“Alugar o apartamento e vir para a casa dos meus pais, aproveitando que é uma casa na parte de baixo que estava vazia, foi uma necessidade. Alugando o apartamento eu consigo pagar o financiamento habitacional, honrar o pagamento com um pouco mais de tranquilidade, foi uma das estratégias que a gente adotou”, explica.
Mas não foi a única. A substituição também passou a fazer parte do dia a dia da família. A carne vermelha foi praticamente abolida das refeições por conta da alta de preços. “A gente não tem comido não. A gente tem feito substituições, comido mais frango e carne de porco, que acabam sendo um pouquinho mais em conta, mas até essas subiram. A bisteca que a gente pagava menos de R$ 10 o quilo um tempo atrás, agora está mais de R$ 15. Carne tem de reduzir o máximo possível e substituir. Algumas pessoas acabam comendo muito embutidos nessa situação, mas a gente não gosta porque não faz muito bem para a saúde”, diz.
Ela conta que na época atual é preciso repensar todo e qualquer tipo de investimento. “O que a gente pode cortar, o que a gente pode economizar, a gente faz. Os produtos no mercado compramos dos mais em conta. Estou sem carro e por aplicativo só em caso de emergência, fora isso, só ônibus mesmo”, detalha.
Substituindo marcas
O coordenador de marketing Eder Gonçalves, de 34 anos, morador em Hortolândia, tem percebido o peso dos aumentos nos alimentos e na energia elétrica. “Há dois ou três meses tenho percebido aumentos constantes no supermercado, mas em agosto senti com mais força. Faço compras quinzenais e desse modo percebo melhor a variação dos preços. Mesmo não consumindo carne, pois sou vegetariano, sinto impacto em derivados do leite. Para se ter uma ideia, nesta semana um pote de requeijão de uma marca regular estava marcado a R$ 12, em outro comércio a R$ 9. Passei a substituir marcas e, agora, já entendo que algo considerado supérfluo pode ser cortado ou racionado”, avalia.
Mesmo morando sozinho, o aumento na conta de energia elétrica foi recebido com espanto. “Em relação à conta de energia, vi desde janeiro minha conta passar de R$ 35 para R $85. Notei reajustes no meio da temporada de Inverno, e neste ano tivemos semanas muito frias, o que me levou a tomar banho numa temperatura muito quente. Isso, com certeza impacta, pois há aumento de consumo somado a aumento do valor da tarifa”, analisa.
Fazendo bicos
Maria Leocádio, de 43 anos vive com a filha de 13 anos e o marido de 45. Ele é pedreiro e ela diarista e costureira. “Ele tem feito só uns biquinhos porque os materiais de construção estão todos caros, tudo subiu de preço, então menos gente está construindo, só umas reforminhas. A gente está se virando praticamente com as minhas faxinas e as costuras. A faxina caiu um pouco, mas as costuras caíram bastante. A renda da gente cai, mas as contas só aumentam. Quem aguenta a energia do jeito que está? O gás está quase R$ 100 reais. Fazer mercado então, é um susto toda vez. Eu não sei aonde a gente vai parar desse jeito”, reclama.
O autônomo Fábio Mesquita, de 38 anos, reclama da escalada dos preços dos combustíveis. “Eu rodo muito com o carro para atender clientes e o preço da gasolina está uma coisa surreal. Meu carro é só a gasolina, no ano passado já estava caro. Para encher o tanque de 40 litros dava por volta de R$ 140, R$ 150 reais. Na semana passada, eu abasteci apenas 20 litros e deu R$ 110 reais. Imagina que absurdo. O álcool e o diesel também subiram bastante. Eu abasteço bem menos e tento me locomover só quando realmente é necessário, nunca imaginei ver essa situação”, conclui.
Política e clima
O professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas Izaías de Carvalho Borges aponta que o País vive uma situação atípica e que além da questão climática, o cenário político de instabilidade leva à inflação. Com relação ao aumento dos combustíveis, ele explica que é devido à política de preços aplicada pela Petrobras. “Basicamente reajustam o preço da gasolina em função do preço do combustível lá fora e em função do câmbio. Estamos em um momento de desvalorização cambial. Por conta da retomada da economia mundial, os preços lá fora estão aumentando”, diz.
Já com relação à energia elétrica, segundo ele, o problema é a seca, que afeta a geração de energia e obriga o uso das termelétricas, que têm custo elevado, muda a bandeira tarifária e sinaliza ao mercado que o custo da energia está maior.
Com relação aos alimentos, alguns fatores influenciam no aumento do preço. “O Brasil é exportador de produtos agrícolas, o câmbio está favorável, além disso, por conta do calor, houve quebra de safra em países estrangeiros, como é o caso do milho, laranja e soja, nos Estados Unidos por causa do calor. Quem compraria esses produtos dos Estados Unidos passa a comprar do Brasil, que é a segunda opção. É o mercado externo competindo com o interno”, diz.
De acordo com o economista, quando a economia fica parada como nos últimos meses, quando se inicia o processo de abertura, que está ocorrendo agora, é normal que haja um crescimento acelerado da demanda. “Nesse momento, as pessoas voltam aos mercados, aos restaurantes, lojas, quando tira as restrições a tendência é aumento na demanda, O problema é que a pandemia desarticula algumas cadeias produtivas. Na nossa região, algumas empresas pararam de produzir por falta de peças que vinham da China. Isso aconteceu na produção civil, por exemplo. As pessoas voltam com uma necessidade de consumo, mas do lado da oferta tem problemas que não foram resolvidos. Tem empresas que faliram, que diminuíram de tamanho. Na crise, quando param de comprar, as empresas param de vender e fecham as portas. Todas as pessoas voltarão a comprar, mas nem todas as empresas voltarão a vender”, explica.
De acordo com ele, isso gera um desequilíbrio que reflete na inflação, que tem um aumento não generalizado, mas concentrado em itens essenciais que não dão para substituir.
“Tem gente que voltou a cozinhar com lenha. São casos dramáticos, mas nem todos têm como fazer isso. Esses vão ter de cortar em outro lugar (para comprar o botijão). Isso afeta muito o bem estar. A alta dos alimentos afeta muito e mais drasticamente os mais pobres, que já sofrem com a queda de renda, falta de emprego, principalmente, os informais.”
Borges aponta que é um ano atípico porque a inflação não se dá por conta da alta demanda e sim por conta de problemas nas cadeias produtivas. “O índice inflacionário ainda está dentro de um patamar razoável. O que assusta é que a aceleração está muito rápida. Vai demandar ações drásticas. Com relação à natureza não tem o que fazer, mas pode mexer na estrutura tributária para compensar o custo. O cenário é bastante preocupante”, avalia.