Os casos de trabalho análogo à escravidão estão se multiplicando na região de Campinas. Em janeiro, cinco pedreiros foram resgatados dessa condição em Jaguariúna. Na semana passada, 35 indígenas da aldeia de Amambaí, no Mato Grosso do Sul, foram resgatados em Pedreira por força-tarefa composta por Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Federal (PF). Quase ao mesmo tempo, um servidor também foi encontrado em condições análogas à escravidão em Mogi Mirim.
É no mínimo inconcebível que ocorram casos de trabalho análogo à escravidão em qualquer parte do Brasil na terceira década do século 21, mas é quase inacreditável que essa situação de barbárie ocorra na região de Campinas, uma das mais ricas e industrializadas do país, sede de um dos principais polos científicos e tecnológicos da América Latina.
De qualquer modo, em qualquer circunstância, o trabalho análogo à escravidão, também denominado como escravidão contemporânea, é a própria negação, o oposto, do que se concebe como desenvolvimento sustentável. Os direitos básicos de cidadania, do trabalhador, são desrespeitados em casos como esse.
Esse é o capitalismo em sua face mais brutal, desumana, a busca do lucro a qualquer custo, não importando as condições em que esse lucro é produzido. A existência de pessoas que continuam explorando seres humanos dessa forma, e que portanto pensem com a mentalidade de séculos passados, é um grande alerta, no sentido de que a sociedade como um todo continue muito atenta e vigilante.
Se depender dessas pessoas, conquistas trabalhistas históricas, que levaram séculos para serem alcançadas, podem ser abolidas em um piscar de olhos, se a conjuntura lhe for de algum modo favorável.
Pessoalmente não acredito nisso. Acho que os avanços civilizatórios irão prevalecer, mas é inegável que a persistência do trabalho análogo à escravidão é uma chaga que merece muita reflexão e sobretudo ação, firme, do Estado e sociedade em geral.
A atuação conjunta de vários órgãos públicos nos últimos anos é uma sólida demonstração de que estão atentos, mobilizados, mas infelizmente ainda há frações do chamado setor produtivo que continuam pensando que o Brasil ainda vive no período colonial.
A ação coordenada de órgãos governamentais, de combate ao trabalho escravo contemporâneo, começou em 1995, quando o Estado brasileiro finalmente reconheceu a permanência desse crime no país. Pois desde 1995 e até 2024, 65.598 seres humanos foram resgatados da condição de trabalho análogo à escravidão em território nacional. Os dados são do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, um projeto que envolve várias instituições.
Um dado estarrecedor do Observatório é que São Paulo, a cidade mais rica do país, é aquela que lidera o ranking de municípios de naturalidade dos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão. Esse dado evidencia que não importa a origem do trabalhador, o seu local de nascimento.
No Brasil, ainda existem condições estruturais para a continuidade do trabalho escravo, não importando o lugar onde a pessoa nasce. Do mesmo modo, São Paulo também lidera o ranking de municípios onde os resgatados declaram residir.
O Observatório também mostra que o trabalho análogo à escravidão no Brasil também abrange pessoas nascidas em outros países. Pela ordem, os países de origem com maior número de resgatados são Bolívia, Haiti, Venezuela, Paraguai e Peru. Seria fundamental um trabalho cada vez mais coordenado entre o Brasil e esses países, para prevenir a continuidade dessa modalidade de crime hediondo.
Em resumo, o trabalho escravo contemporâneo é a própria recusa da sustentabilidade. Não haverá sociedade civilizada, digna, se esse tipo de brutalidade continuar existindo. O Brasil foi o último país das Américas a abolir oficialmente a escravidão. A existência de formas trabalho análogo à escravidão no ano da graça de 2025 demonstra que os desafios para a superação das desigualdades continuam gigantescos, exigindo esforços do mesmo tamanho.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com











