Sustentabilidade é uma das palavras mais pronunciadas hoje, refletindo uma preocupação crescente com o estado atual e o futuro do planeta. Mas é importante evidenciar que a inquietação com a degradação ambiental é social não é recente. É fundamental ressaltar isso para justamente reiterar que, apesar dos alertas antigos, a situação ambiental e social do planeta se agravou muito nas últimas décadas. Então, é mais do que urgente uma tomada de posição e sobretudo uma atitude coletiva para reverter o quadro de devastação.
No caso do Brasil, também é relevante notar que as sementes de uma preocupação com o que hoje se chama sustentabilidade foram lançadas e floresceram no meio das artes. Já se disse que os artistas são “antenas” e nesse caso realmente foram.
De fato, um rico diálogo com o que ocorria no planeta, nas primeiras expressões do que pode ser categorizado hoje como um movimento ambientalista ou pela sustentabilidade no Brasil, aparecem nas décadas de 1960 e 1970, justamente o período em que o país estava sob um governo militar instaurado em 31 de março de 1964.
Apesar do cenário repressivo as ideias progressistas continuavam circulando e entre elas estavam as sementes do pensamento ecológico.
Naquele contexto, 1962 é um ano-chave, pela publicação de dois livros essenciais, “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, e “Nosso Entorno Sintético”, de Murray Bookchin. Especialista em zoologia e natural de Springdale, Pensilvania, Carson (1907-1964) fez várias pesquisas sobre os impactos do DDT no meio ambiente e na saúde humana, através de seu fluxo pela cadeia alimentar.

Demorou anos até Carson publicar suas observações, pois o DDT era então considerado inquestionável. Mas uma mortandade de pássaros em Cape Cod, resultante de uma pulverização com DDT, a motivou a intensificar pesquisas e publicar um livro, afinal lançado em 1962, pela editora Houghton Mifflin. No capítulo “Uma fábula para amanhã”, a visão de Carson, de uma sociedade sem vida, se continuasse o uso indiscriminado do DDT, provocou grande polêmica na sociedade norte-americana e em todo mundo.
A cada dez anos, depois de 1962, o ano do livro, seria realizada uma grande conferência global sobre meio ambiente. Coincidência ou não, não deixa de ser bela homenagem a Carson e Bookchin. Pois também data de 1962 o livro “Nosso Entorno Sintético”, de Murray Bookchin (1921-2006), um dos líderes da Ecologia Social.
Neste mesmo ano de 1962, Margaret Mee (1909-1988) fazia os primeiros alertas do que viu de destruição da natureza no Brasil. Formada em artes pela “St. Martin’s School of Art”, no “Centre School of Art”, e pela “Camberwell School of Art”, de Londres, a desenhista britânica tinha se radicado no Brasil a partir de 1952 e logo se apaixonou pela flora e fauna do seu novo país. Seriam várias expedições para registro em desenho da biodiversidade brasileira, em enorme contribuição para a ciência, e durante a segunda delas, em 1962, já documentou em seus diários a destruição das matas e os conflitos entre fazendeiros e povos indígenas que tinham suas terras ocupadas.
Quase ao mesmo tempo em que Margaret Mee fazia suas incursões pelo Brasil profundo e expunha suas inquietações com o processo de destruição da biodiversidade, outro artista plástico, o pintor nascido na Espanha Emilio Miguel Abellá, dava sua contribuição para despertar a consciência ambiental nos meios urbanos. Em setembro de 1973, ele circulou pelo centro da cidade de São Paulo com uma máscara contra gases. Era a denúncia da poluição atmosférica e este foi o ponto de partida do Movimento Arte e Pensamento Ecológico (MAPE), idealizado por Abellá e que emergiu em 1974.
O MAPE realizou “cruzadas ecológicas” em várias partes do Brasil, com a participação de diversos artistas. Uma delas aconteceu em Curitiba (PR), em 1977, com a presença de nomes como Aldemir Martins, Caulos, Juarez Machado e Luiz Retamozzo, que assinaram peças de temática ambiental impressas em outdoors espalhados pela capital paranaense.
O ideário do MAPE foi apresentado na revista “Pensamento Ecológico”, que reuniu a partir de 1978 trabalhos de vários artistas do movimento e na qual ficou nítida a influência do alemão Joseph Beuys (1921-1986). Um revolucionário nas artes plásticas, sempre questionando os formatos e plataformas tradicionais e inovando os meios de expressão, ele se aproximou do ecologismo e em 1982 provocou uma de suas tantas polêmicas com “7000 Oaks-City Forestation Instead of City Administration”, ou “7000 Eichen”, obra que inscreveu na Documenta de Kassel, uma das principais exposições de arte contemporânea do mundo. Ele convidou a população de Kassel a plantar 7 mil árvores e ao lado de cada uma delas foi colocada uma das rochas basálticas lapidadas que o artista havia encomendado. O plantio terminou em 1987, na Documenta 8, um ano e meio depois da morte de Beuys.
Ainda em 1978, primeiro ano de circulação da revista “Pensamento Ecológico”, a atriz e apresentadora de televisão Cacilda Lanuza concluía a peça “Verde que te quero verde, ou O Globo da Morte”, que apresentaria nos anos seguintes por todo país. Cacilda foi uma das primeiras atrizes brasileiras com engajamento total em questões socioambientais.
No mesmo ano de 1974, em que Miguel Abellá criava o Movimento Arte e Pensamento Ecológico, acontecia a primeira edição do Salão de Humor de Piracicaba, que logo seria internacional e hoje é um dos principais eventos do gênero no mundo. Os três trabalhos vencedores se tornaram antológicos, estando Laerte Coutinho, de São Paulo, em primeiro lugar e o cearense Hermógenes Magalhães, o Hermó, em segundo. Em terceiro lugar, uma charge do baiano Luiz Renato Bittencourt Silva, mostrando apenas uma árvore resistindo em meio ao avanço do desmatamento e servindo como abrigo aos pássaros sobreviventes.
Estava claro que o Salão Internacional de Humor de Piracicaba se tornaria, também ele, um espaço para os desenhistas e chargistas mostrarem a sua inquietação com a destruição da natureza no Brasil.
São muitos os exemplos. Infelizmente, apesar das advertências de ambientalistas e artistas, o panorama brasileiro é mundial só se agravou. Mas ainda é tempo de agir. Mãos à obra!
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com