A primeira impressão de Minhas Férias com Patrick (Antoinette dans les Cévennes, França, 2020, 97 min.), de Caroline Vignal, é de estranhamento. Trata-se do drama da despachada professora Antoinette (Laure Calamy) que viaja em férias para o mesmo lugar onde o amante Vladimir (Benjamin Lavernhe) se encontra com a mulher e a filha. E, como está só, ela estabelecerá relação de amizade com um jumento (o Patrick do título brasileiro). Não parece animador. Além disso, o humor francês costuma ser duro e pouco comunicativo.
Contudo, o roteiro da própria diretora se inspira no livro Viagem com um Burro pelas Cevenas, do escocês Robert Louis Stevenson, publicado em 1879, devidamente atualizado e com invenções próprias de quem conta histórias. Neste caso, em vez de um homem, como na história original, a protagonista é uma mulher. Os estranhamentos aumentarão (como o fato de Antoinette se encantar com qualquer rapaz disponível na viagem) até o ponto em que ficará evidente que estamos lendo os movimentos da tela pela lente machista do preconceito
Se fosse um jovem se encantando com várias garotas, diríamos que se trata de hábil e charmoso conquistador – pouco se importando com o destino ou os sentimentos das conquistas que vão ficando para trás. Como se trata de mulher, começamos a achá-la leviana, fácil de seduzir, moça que não se dá ao respeito, entre outras impressões menos nobres.
Menos mal que a roteirista/diretora é mulher, pois fica explicitado o olhar mais arejado do ponto de vista de quem narra. Afinal, Antoinette é jovem e solteira em viagem de férias – qual é o problema de ela se envolver com quem seja? Nosso modo viciado de avaliação logo estabelece regras, mas, se relaxamos, o filme tem lá seus encantos.
A própria Caroline Vignal admite ter usado a estrutura de comédia romântica na narrativa: a rejeição do primeiro momento, a aceitação na medida em que se conhecem e, enfim, a amizade que os torna inseparáveis. Esse elemento é que atrai a atenção do espectador porque o jumento (ou burro) é, obviamente, metáfora da solidão dela.
Então se estabelece a identificação com o público: E tendo de compartilhar a amizade com um animal, pois ela lhe conta histórias da própria vida como se ele fosse confidente – isso tudo enquanto faz os passeios pelas diversas trilhas do local. Sempre sozinha. Quero dizer, às noites estabelece contatos com os colegas de passeio – na verdade, bando de fofoqueiros – e tem momentos de descontração nos jantares da pousada onde se hospeda, ou nos bares e festas da pequena localidade turística. E, como se imagina, encontrará o amante.
E, aqui cabe relevante observação: acostumados que estávamos desde sempre com o cinema escrito e realizado por cavalheiros não tínhamos o hábito (hoje, felizmente, com frequência cada vez maior) de assistir prazerosamente às soluções e desfechos de situações, ou mesmo das histórias escritas e conduzidas por mulheres. Veja que beleza de tratamento dado ao encontro de Antoinette com a esposa de Vladimir, feito com inteligência, graça e sagacidade.
Minhas Férias com Patrick tem não apenas as especificidades de um olhar feminino, mas o modo sutil de observação do comportamento de determinada mulher contemporânea com absoluta liberdade de poder dizer e mostrar o que pareça mais adequado à diretora. Com um detalhe: . E há leveza e claro afeto da diretora para com sua personagem protagonista.
O filme estreou nesta quinta, 5 de maio, nos cinemas de São Paulo e de Brasília. Ainda não há data definida para o lançamento no streaming
João Nunes é jornalista e crítico de cinema