Por Zeza Amaral
Converso com as pedras portuguesas da Rua Barão de Jaguara e agradeço pelo carinho que tiveram com meus passos – e foram milhões deles pisados nos últimos setenta e tantos anos. E as pedras conversam entre si, meu raro leitor, assim como nós que somos andantes da cidade.
A minha Princesa D’Oeste faz mais um aniversário e gostaria de convidá-la para um passeio de mãos dadas pelas praças, jardins suburbanos e, principalmente, pelas calçadas boêmias que bem conhecemos.
Na minha adolescência, sempre aos domingos, costumava fazer ponto matinal ao lado do Hotel Términus, o mais chique da cidade – e onde hoje funciona a loja Magalu.
As moçinhas saiam da missa das nove na Catedral e a gente ficava espiando tanta beleza e elegância. E depois era voltar para o Taquaral cheio de paixão, se segurando no balaústre do bonde quatro.
Meu primeiro par de sapatos comprei na Loja Picolloto da Treze de Maio, com o meu primeiro salário de aprendiz na Relojoaria Palácio (que ficava na calçada oposta do Palácio da Justiça) – José Calvi foi o meu segundo patrão, homem de muita honra e carinho. Tão bom quanto o meu primeiro, Fuad Buainain, dono de uma mercearia no Taquaral, na Rua Américo de Moura. Vinte e tantos anos depois descobri que era lá que o cientista César Lattes costumava passar as manhãs de sábado tomando suas biritas, e sempre acompanhado por alguns cientistas japoneses, alemães, ingleses que, ao fim e ao cabo, eram muito alegres e péssimos para jogar mata-mata. As bolas da mesa eram as mesmas, mas a “bola de fogo” do César Lattes era imbatível.
E foi por aqueles tempos que conheci o compositor Oswaldo Guilherme, autor de Franqueza, Conselho e de tantos outros sambas canções, gravados, principalmente, por Nora Ney e Maísa. Seu parceiro, Denis Brean, não conheci – morto precocemente. Oswaldo Guilherme morava a três quadras do campo do Mogiana Esporte Clube, no Guanabara.
Foi lá que estreei no meu primeiro campo profissional, jogando na ponta esquerda.
Até então só jogava no campo do Taquaral Futebol Clube, no Bela Vista, e no campo do Colúmbia – onde hoje abriga um grande condomínio de apartamentos, ao lado do supermercado Dalben. No início dos anos sessenta, o Dalben era um dos muitos pequenos armazéns do Taquaral que matavam a nossa fome. Assim como o armazém Vilani, Furian…
Quero te dar um forte abraço, minha Princesa D’Oeste, mas os tempos estão bicudos e assim recolho a minha vontade de matar saudade e busco na memória quando a gente saía pelas madrugadas atrás de serenatas e buscando um pôr de sol na Lagoa do Taquaral, embriagados de vermoute barato e muitas canções.
E assim crescemos e jantamos no Armorial – e nos deixamos descansar pelas mesas da velha e também saudosa Adega Florence. E assim suportamos a derrubada do Teatro Municipal e o fim dos trilhos de bonde, da estação ferroviária, da expansão das avenidas e o estreitamento das nossas calçadas. Sem contar o nascer dos altos muros das casas que até hoje escondem seus jardins de rosas e margaridas singelas.
A moça-que-manda-em-mim é a cidade que agora tenho para abraçar. A cidade está em mim e eu ainda sigo andando sobre as suas calçadas. Sempre lembrando, é claro, dos carinhos que uma princesa me oferece a cada esquina, praças e manhãs de esperança…