“O Brasil tem um promissor passado pela frente”
Millôr Fernandes
Nestes últimos dias, a empresa Uber vem investindo maciçamente na mídia, incluindo jornais de grande circulação, apresentando uma série de argumentos a favor da regulamentação do mototáxi na cidade de São Paulo.
Os gestores públicos, os operadores de transporte e a sociedade civil podem se contrapor aos argumentos veiculados pela Uber. Ao mesmo tempo devem propor medidas urgentes para que a batalha vá além do campo jurídico e se efetive através de medidas concretas e urgentes, para que a população não fique à mercê de um modo de transporte inadequado.
A cada argumento veiculado pela Uber, temos ponderações técnicas e propostas concretas como contraponto.
Argumento da Uber: O mototáxi é uma opção econômica para deslocamentos diários.
Contraponto: Embora o mototáxi possa parecer uma opção barata, os custos ocultos relacionados à segurança e saúde pública são significativos. Acidentes de moto são mais frequentes e graves, gerando imensuráveis perdas aos familiares das vítimas, altos custos ao sistema de saúde pública ao lado de grandes impactos à economia do país com a perda de jovens trabalhadores.
Ação Recomendada: Gestores públicos devem investir prioritariamente em transporte coletivo de qualidade que oferecem segurança e eficiência sem os riscos associados ao mototáxi. Campanhas de conscientização sobre os riscos do mototáxi e a promoção de alternativas seguras devem ser intensificadas.
Argumento da Uber: O mototáxi reduz significativamente o tempo de trajeto.
Contraponto: À medida que os urgentes investimentos forem feitos, o ganho de tempo na viagem feita com o mototáxi tende a se reduzir. Esta deve ser a meta, urgente, nem que medidas operacionais no trânsito tenham que ser feitas com o apoio do órgão de trânsito do município apoiado pelo policiamento de trânsito. O menor ganho de tempo tende a não compensar o risco e o desconforto associados a andar na garupa de uma moto.
Ação Recomendada: Investir na melhoria e expansão das redes de transporte público abrindo corredores exclusivos para ônibus, mesmo nas periferias, e expandindo as redes de linhas capilares para que os moradores tenham acesso rápido e seguro aos principais eixos de transporte, seus terminais ou estações.
Argumento da Uber: O mototáxi segue padrões de segurança com várias ferramentas de proteção.
Contraponto: Apesar das medidas de segurança, a natureza do transporte em motocicletas é, inerentemente, mais perigosa e desconfortável. A probabilidade de acidentes é maior, e as consequências são muito mais graves.
A UBER não diz nada sobre os dias de intempéries e com os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.
O transporte coletivo é anos-luz mais seguro. Comparem as estatísticas: mortos e feridos em acidentes de moto versus todo o sistema de transporte coletivo!
Em 2024, oito pessoas morreram em acidentes de trânsito em Hortolândia. Seis deles estavam em motos. Querem maior evidenciada da letalidade dos acidentes com motos?
Argumento da Uber: O mototáxi oferece oportunidades de renda para motociclistas.
Contraponto: A precarização do trabalho é uma preocupação, com muitos motociclistas expostos a riscos sem garantias trabalhistas e previdenciárias adequadas ou totalmente inexistentes. O combate à indústria do fumo que também gerava milhares de empregos, melhorou, e muito, a qualidade de vida do brasileiro.
Ação Recomendada: Promover políticas de emprego que ofereçam segurança e estabilidade, incentivando o emprego formal e o treinamento em setores de transporte público. Devemos lutar por inciativas de capacitação profissional e não lançar nossos jovens em empregos que colocam em risco suas vidas e a dos passageiros.
Argumento da Uber: O mototáxi é utilizado por classes econômicas mais baixas, promovendo inclusão.
Contraponto: A verdadeira inclusão vem do acesso equitativo a um transporte público de qualidade, que não discrimine pela capacidade de pagar. O uso do mototáxi, quando ocorre, não é em busca de tarifa mais baixa. O morador da periferia busca reduzir seu tempo de viagem até terminal de ônibus ou estação de trem ou metrô.
Ação Recomendada: Aumentar o investimento em transporte público conectado e eficiente, com integração tarifária.
Conclusão
O mototáxi, apesar de suas aparentes vantagens, não é uma solução adequada para os desafios da mobilidade em nossas cidades. Gestores públicos, operadores de transporte e a sociedade civil devem trabalhar juntos para promover alternativas mais seguras, eficientes e sustentáveis, garantindo uma mobilidade urbana que beneficie a todos.
O embate jurídico é necessário, mas não suficiente. O embate deve se dar nas ruas por onde milhões de cidadãos se deslocam diariamente. Ou aprimoramos o atendimento nas periferias ou nenhum esforço de caráter jurídico será suficiente para impedir este retrocesso lamentável.
Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos (SP). Presidiu a Emdec (Campinas), a Emplasa (São Paulo), o Denatran (Brasília) e os Conselhos de Administração do Metrô-SP, CPTM e EMTU-SP. Coordena o Grupo de Mobilidade do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. É membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos (Brasília). É vice-presidente honorário da UITP (Bruxelas).











