O mês de outubro foi impactante para a área de ciência e pesquisa em Campinas com a notícia de um eventual interesse do governo Tarcísio de Freitas (Repub) de vender parte da propriedade do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), notadamente gleba de 70 mil metros quadrados da Fazenda Santa Elisa. A propriedade, que pertence ao IAC, acaba de passar por um processo de mapeamento e desmembramento, o que despertou nos cientistas a hipótese de venda.
Em princípio, as autoridades estaduais desconversaram. Depois, o próprio Tarcísio confirmou o interesse.
Em visita à região de Campinas, o governador admitiu que há planos para isso. “Vamos ver de fato o que é de interesse para pesquisa. O que não for interesse da pesquisa e o que tiver subutilizado, que puder ter outra destinação e gerar valor para o estado, vamos realmente gerar valor, vamos vender. Não faz sentido. Não tem que ficar abraçado a 70 hectares de terra. Não faz sentido isso”, afirmou Tarcísio à EPTV Campinas.
O Hora Campinas apurou que a área planejada para venda corresponde a apenas 1% de toda a propriedade.
Mesmo assim, a comunidade científica reagiu, sobretudo porque pode ser uma decisão de caráter apenas executivo, já que não há necessidade de autorização da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para essa operação comercial.
Decorridos três semanas após a informação, várias entidades já se posicionaram contrárias à venda. São elas: Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), Sindicato dos Professores da Rede Particular de Campinas e Região (Sinpro), entidades ligadas ao café e representantes da classe política em Campinas.
“Fatiar e vender áreas experimentais de pesquisa reforçam o posicionamento negacionista do Estado de São Paulo diante da emergência climática. Neste momento, em vez de abrir mão destas áreas deveríamos estar ampliando as áreas de pesquisa e conservação”, afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.
“A Fazenda Santa Elisa é a salvaguarda para a cafeicultura brasileira, uma vez que seu banco de germoplasma reúne mais de 5 mil exemplares de diferentes tipos de café, oriundos de várias partes do mundo, alguns deles em extinção. As pesquisas realizadas no local, ao longo de décadas, são responsáveis pela melhoria da genética do café produzido em território nacional”, enfatiza nota do Sinpro.
“Com a venda de parte da Fazenda do IAC, visando apenas o lucro imediato com o sucateamento de uma área pública, o governador expõe mais uma vez a sua face negacionista e autoritária: além de se desfazer de uma imensa área verde em prol de interesses privados, Tarcísio se recusa a consultar a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo e despreza a opinião dos cientistas”, acrescenta o Sinpro.
Na Câmara de Campinas
O vereador Paulo Bufalo (PSOL), por exemplo, apresentou moção na Câmara Municipal de Campinas contrária à venda. Ela foi aprovada e gerou repercussão positiva junto aos defensores da ciência e da pesquisa.
No documento (veja reprodução abaixo), Bufalo destaca as décadas dedicadas ao cultivo do café e de outras variedades no IAC. Salientou também o risco de perda de todo esse patrimônio e de prejuízo para a pesquisa.
O IAC é uma referência internacional para o agro, congrega sete centros de pesquisas e responde por quase 90% das variedades do café brasileiro.
Ao mesmo tempo, outros parlamentares estão em defesa do instituto. É o caso também do vereador Gustavo Petta (PCdoB), que levou o tema para recente reunião da Comissão Permanente de Ciência e Tecnologia da Câmara de Campinas.
Petta é o presidente da comissão e reforçou o apelo de defesa do patrimônio científico e o alerta para que a sociedade engrosse as fileiras contra o desejo do governador Tarcísio de Freitas. “Esta reunião foi convocada para discutir esse tema e colocar em debate o futuro do IAC”, afirmou Petta.
“O IAC é um patrimônio de Campinas e também do Brasil. Vender essa área pode colocar em risco pesquisas de décadas sobre o café do nosso País, nosso maior produto”, reforçou o vereador.
Na Assembleia Legislativa
Quem também decidiu reforçar o movimento foi o deputado campineiro Rafa Zimbaldi, do Cidadania-SP. O parlamentar oficiou o secretário de Estado de Agricultura e Abastecimento, Guilherme Piai Filizzola, para saber as motivações e os objetivos da Pasta com a venda. “Pertencente ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a área tem importante papel na sustentabilidade e na competitividade da cafeicultura brasileira, abrigando, inclusive, um Centro Nacional de Pesquisa”, apregoou Rafa.
Em requerimento direcionado ao secretário do governador Tarcísio, Rafa questiona, ainda, qual o valor de avaliação de mercado da área a ser leiloada pelo Estado e para onde vai o dinheiro proveniente da venda.
“Sou totalmente contra a venda da área. Com essa iniciativa do Estado, a de leiloar parte do terreno, a Fazenda Santa Elisa corre o risco de ser desmembrada e de ter ainda mais partes comercializadas, e tudo isso sem sabermos como Campinas se beneficiaria com as contrapartidas, caso existam”, observou o deputado do Cidadania.
O parlamentar alerta que a venda da área também é uma ameaça ao patrimônio genético do café e às pesquisas em andamento, além de colocar em risco a sustentabilidade e a competitividade da cafeicultura brasileira:
“Estamos falando de uma fazenda histórica e que abriga um Centro Nacional de Pesquisa do Café. A venda da área pode prejudicar trabalhos científicos desenvolvidos há décadas e impactar a sustentabilidade e a competitividade da cafeicultura nacional. Sou contra e não estou sozinho. Muitas entidades do setor e a própria sociedade civil são unânimes e contrárias sobre a comercialização da Fazenda Santa Elisa, inclusive colaboradores do IAC”, lista Rafa.
Liderança do agro
Um dos nomes mais respeitados do agro brasileiro, José Luiz Tejon foi a público defender o IAC. Doutor em Educação, jornalista, publicitário, professor e escritor, ele é também comentarista da Rádio Eldorado e colunista do Estadão on-line. Trata-se de uma voz de muita representatividade no segmento.
“Essa intenção gerou indignação dos pesquisadores e uma união das entidades”, resumiu Tejon.
Ele lembrou da importância do instituto para a ciência e destacou sua referência para o café. Tejon revelou que a Faesp se posicionou e mandou um ofício para o governador Tarcísio de Freitas.