Cerca de 70% dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço no Brasil são diagnosticados tardiamente. Não bastasse o elevado índice, a pandemia contribuiu para postergar exames e consultas médicas, condição com potencial de elevar esse percentual. Como o diagnóstico precoce é determinante no sucesso de tratamentos contra o câncer, o prognóstico da doença a curto e médio prazos é preocupante. A situação destaca a relevância das campanhas de conscientização e orientação, como a do Julho Verde, voltada ao câncer de cabeça e pescoço.
O câncer de cabeça e pescoço compreende todos os tumores que têm origem na boca (cavidade oral), nariz (nasofaringe, cavidade nasal e seios paranasais), garganta (orofaringe, hipofaringe, laringe), nas glândulas salivares e na tireoide, detalha o oncologista David Pinheiro Cunha, sócio do Grupo SOnHe – Oncologia e Hematologia. “Nos homens é o terceiro câncer mais frequente (quando somados o câncer de boca, garganta e glândula tireoide), ficando atrás apenas do câncer de próstata e de intestino”, completa.
“Pessoas que fumam muitos cigarros ao dia ou por um período prolongado, têm o risco de desenvolver o câncer 5 a 25 vezes maior do que os não tabagistas”, afirma David Pinheiro Cunha
A negligência dos pacientes aos sintomas do câncer de cabeça e pescoço é, na opinião do oncologista, um dos motivos do alto índice de detecção tardia da doença. David Pinheiro Cunha lembra ainda que, ao contrário de tumores de mama, próstata e colo do útero, que dispõem de exames de controle específicos, as neoplasias de cabeça e pescoço não possuem protocolo preventivo.
Como os sintomas são facilmente confundidos com os de outras doenças, os pacientes são induzidos a postergar a procura por um médico, por associá-los a outras causas. Pequenas lesões na boca, dificuldades ao engolir, alteração da voz e dor de garganta podem ser indicativos de complicações mais sérias. “Qualquer um desses problemas com duração de mais de três semanas precisa de avaliação médica. Na maioria das vezes eles estão associados a doenças benignas, mas o fato de persistirem é um sinal importante”, reforça.
“A pandemia reduziu aproximadamente 50% dos diagnósticos de novos casos de câncer em 2020. Ressaltando que o câncer não parou de acontecer, mas sim seu diagnóstico”, explica o oncologista
O tabagismo e o consumo excessivo de álcool são os principais fatores de risco para tumores de cabeça e pescoço, seguidos pelas infecções pelo Papilomavírus Humano (HPV). “O HPV é o mesmo vírus relacionado ao câncer de colo de útero, vagina, vulva, ânus, pênis, e está relacionado, principalmente, ao desenvolvimento do câncer de orofaringe (garganta). A infecção é transmitida durante a relação sexual oral desprotegida”, explica o oncologista.
Um meio de reduzir os riscos futuros de apresentar câncer de cabeça e pescoço, além de controlar a ingestão de bebidas alcóolicas e não fumar, é a vacinação de crianças e adolescentes contra o HPV. Oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o imunizante deve ser aplicado antes do início da vida sexual, por meninas entre 9 e 14 anos e meninos de 11 a 14 anos.
“No que se refere especificamente ao câncer de cabeça e pescoço, no Brasil, mesmo antes da pandemia já havia uma grande dificuldade em se fazer o diagnóstico precoce. O diagnóstico tardio deste câncer traz muitas implicações negativas, desde a diminuição das chances de cura até a necessidade de tratamentos agressivos, com potencial de trazer sequelas e interferir na qualidade de vida”, resume o oncologista.
“O diagnóstico tardio deste câncer traz muitas implicações negativas, desde a diminuição das chances de cura até a necessidade de tratamentos agressivos”, confirma o especialista”
Por outro lado, a evolução da medicina, reforça David Pinheiro Cunha, contribuiu não só para melhorar o prognóstico do câncer de cabeça e pescoço, como também para mitigar os resultados mutilantes da terapêutica contra a doença. A cirurgia, diz, continua sendo a base do tratamento, porém, o uso combinado ou individual de quimioterapia, radioterapia e imunoterapia favoreceu a elevação da qualidade de vida dos pacientes.
As cirurgias atualmente são realizadas com auxílio de robôs, o que possibilita melhor acesso à ressecção dos tumores localizados na boca, por exemplo. O aprimoramento da radioterapia trouxe precisão ao tratamento, o que permite a preservação dos tecidos sadios próximos à lesão. Nos casos em que há metástase, a imunoterapia é aliada para ajudar o próprio corpo a desenvolver mecanismos de combater às células cancerígenas.
“A melhor arma contra o câncer continua sendo a não exposição aos fatores de risco, evitando o cigarro, o excesso de bebida alcoólica, relações sexuais desprotegidas”, indica David Pinheiro Cunha
“O que temos à disposição atualmente contribui para reduzir as sequelas do tratamento, manter o paciente funcional e a sua qualidade de vida. É claro que não podemos esquecer da individualização. Cada paciente é único e seu estado é que determinará a escolha de tratamento, dentre as muitas opções existentes”, confirma.
Apesar dos avanços, o médico reforça a necessidade de adotar cuidados essenciais à saúde em geral. “O diagnóstico precoce continua sendo o caminho mais valioso até a cura. Portanto, apesar da pandemia, é importante procurar ajuda médica, fazer avaliações regulares, não negligenciar sinais e ter um estilo de vida saudável.”