Chegamos a 2022 sob a égide da pandemia do SarsCov2 devido neste momento, principalmente, a sua variante Ômicron. Parece que estamos vencendo mais este obstáculo e vendo, gradualmente a vida se encaminhando para o “novo normal”, com todos os cuidados e atenção epidemiológica redobrada. Mas, não podemos nos esquecer de outros importantes programas de saúde pública.
O mundo e o Brasil, em particular, têm uma preocupação altamente relevante com a reintrodução de doenças infecciosas controladas por vacinas como a poliomielite e o sarampo. O ambiente de guerra bem como a queda progressiva da cobertura vacinal nestas doenças tanto no Brasil como em todo o mundo, tem aberto flancos perigosos para os seus retornos. Isto não só é indesejável, como seria trágico. Seriam décadas perdidas por negligência e negacionismo. Mas disso falaremos em futuro próximo em outro texto.
O que quero trazer a vocês é a preocupação que o momento nos apresenta em relação às arboviroses. Como sabemos, as arboviroses, tendo a dengue como a mais frequente e preocupante, são doenças sazonais e cíclicas.
Em 2020, meu último ano à frente da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, esperávamos um ano duríssimo em relação a dengue tipo 2. O ano de 2019 havia sido difícil, não tão difícil como os anos de 2015 e 2016, mas tudo levava a crer que este segundo ano do novo ciclo pudesse ser pior em número e mais agressivo clinicamente. Esperávamos que a circulação seria, possivelmente, do tipo 2, onde a população de nossa cidade e região, seria mais vulnerável.
Pois bem, chegou a pandemia! Com ela nosso confinamento compulsório. E o que esperamos ser um ano muito difícil para a dengue não se confirmou. Infelizmente, foi muito duro para o enfrentamento da Covid-19. Possivelmente, como grande parte da população ficou em casa, foi feito aquilo que sempre foi e será preconizado ao enfrentamento das arboviroses urbanas: combatemos e removemos grande parte dos potenciais criadouros e a epidemia foi “abortada”. Em 2020, o número de casos em Campinas foi baixo e tivemos apenas uma morte causada por dengue. O mesmo ocorreu em 2021, e até onde eu saiba, sem qualquer morte confirmada por dengue nesse ano.
Há muitos anos acredito que o melhor modelo de enfrentamento às arboviroses é o entomológico. O fundamental é “não deixar o mosquito nascer”. Se o mosquito não nasce, não há contaminação e transmissão.
E aparentemente, foi isso que aconteceu em 2020 e 2021. Devo lembrar sempre que dois desafios, ao sistema de saúde e à sociedade, são constantes: 1- continuidade das ações de remoção de potenciais criadouros durante todo ano, inclusive no inverno, e 2- comunicação de risco contínua e eficiente. Novamente digo, não se pode “baixar a guarda” sob pena de termos novo recrudescimento de grande número de casos e seus agravos.
Este modelo de enfrentamento entomológico deve ser constantemente praticado, aperfeiçoado e complementado com outras medidas sanitárias, quando e onde for necessário. A participação da imprensa e de toda a comunidade é fundamental para alcançarmos os objetivos de controlar, já que não é mais possível erradicar, o mosquito Aedes Egypt.
Estamos no período de maior potencial de transmissão e contágio da dengue. No momento em que as chuvas cessam ou diminuem e o calor ainda é predominante, temos o pico de transmissão. Assim, historicamente, o pico dos casos de dengue ocorre nos meses de março e abril, com redução gradual a partir de maio quando o calor arrefece e chegamos ao outono e, finalmente, ao inverno com poucos casos, mesmo nos anos mais difíceis.
A segunda quinzena de abril é, habitualmente, o período de maior incidência e necessidade de organização do sistema de saúde para este enfrentamento no campo da assistência à saúde. Neste período, ainda que a prevenção continue sendo válida e necessária, o mais importante é organizar a rede de assistência à saúde para evitarmos agravos e mortes. Campinas e os municípios da região, têm enorme experiência nesta organização e cuidado tanto em suas redes de atenção básica como na rede de urgência e emergência bem como em hospitais.
Felizmente, ao contrário da Covid-19, os pacientes portadores de dengue pouco necessitam de hospitais. Apenas os casos de doença hemorrágica ou que apresentem choque hipovolêmico ou cardiogênico em sua evolução, é que necessitarão de cuidados hospitalares e, eventualmente, intensivos. Grande parte do enfrentamento é feito na rede de atenção básica. A pandemia polarizou tanto a saúde pública que estamos nos esquecendo de outras ações fundamentais.
Tenho acompanhado e compartilho as preocupações de muitos colegas sobre os grandes riscos de recrudescimento ou reaparecimento de doenças imunopreveníveis com vacinas ou com ações epidemiológicas constantes e consequentes. A prevenção da dengue é multi-institucional e deve ser continua. Só conseguiremos controlar a transmissão das arboviroses com o trabalho e o cuidado de todos e um aperfeiçoamento de nosso modelo de vida urbana e da relação do homem com a sua cidade.
Importante é que todos cuidem de seus espaços. Limpem as caixas d’água e as calhas, recolham todos os potenciais criadouros de suas casas, não joguem lixo ou entulho na rua ou em terrenos baldios, orientam seus amigos, vizinhos e familiares sobre estes cuidados. Existem listas de ações de controle disponíveis nos sites das secretarias de saúde, Conass, Conasems, redes de rádio, TVs, jornais, etc. com as orientações, simples e factíveis.
Enfim, é de nossa responsabilidade ajudarmos nesta prevenção. Apesar do momento muito duro que estamos vivendo, com pandemia, guerra, etc. a vida segue e devemos faze-la sempre a mais segura possível. Vamos cuidar de nosso microambiente e com isto reduzir o risco de novas epidemias de arboviroses.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020.