Neste um ano e meio onde escrevo esta coluna semanal da Letra de Médico no Hora Campinas tenho procurado trazer e compartilhar com vocês temas de interesse da saúde pública, da educação em saúde e da ciência, pesquisa e inovação na área da saúde. Nunca nossa profissão bem como a de todas as profissões em saúde foram tão destacadas, discutidas e valorizadas. O momento de grave crise sanitária parece estar passando deixando para traz um rastro de muita dor e luto em toda a nossa sociedade. Como ocorreu em outras pandemias, parece que teremos que conviver pelo resto de nossas vidas com este “novo” coronavírus que criou uma doença, a Covid-19.
Neste mesmo espaço, há um ano, eu fiz meu reconhecimento aos colegas médicos como professor de medicina que sou há 43 anos, como gestor de saúde já que coordenei o Hemocentro da Unicamp por 14 anos, fui Secretário Estadual de Saúde por dois anos e Secretário Municipal de Saúde de Campinas por oito anos sendo o responsável pelo enfrentamento à pandemia em seu primeiro ano e, é claro, como médico hematologista formado há 47 anos e com atividade ininterrupta em minha área de atuação (1). Neste período, a medicina bem como as ciências da vida mudaram radicalmente, com uma impressionante evolução no campo dos diagnósticos, procedimentos e das terapêuticas. A tecnologia também evoluiu dramaticamente e a chamada telessaúde tornou-se uma realidade cada vez mais tangível particularmente nestes anos de pandemia. Assisti neste período uma redução impressionante na mortalidade infantil e melhoria na expectativa de vida de nossos cidadãos.
A medicina evoluiu em 50 anos mais do que em toda a história produzindo uma crescente sensação de proteção e bem-estar a nossa população. Neste período foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS) pela constituição de 1988. O SUS é certamente, a mais importante e vitoriosa política pública de nossos tempos permitindo que, ainda com dificuldades financeiras e/ou orçamentárias muitas vezes intransponíveis, pudéssemos avançar no acesso e qualidade de acesso à saúde a nossa gente.
Neste período, a medicina privada também evoluiu e temos hoje um sistema híbrido e que, durante a pandemia, foi altamente harmônico e solidário com o SUS. Podemos dizer que, apesar das enormes dificuldades em muitos momentos, os cidadãos brasileiros têm sempre uma “porta aberta” seja no sistema público quanto privado. E nós médicos, como estamos? Podemos dizer que tanto a formação dos médicos como o exercício profissional mudaram e evoluíram ao longo destes anos. Tínhamos uma medicina bastante “artesanal” com poucos recursos de diagnóstico e terapêutica e que foram de maneira impressionante evoluindo para um cenário altamente tecnológico e baseado em um crescimento acentuado do conhecimento biológico. As “lentes” se ampliaram e isto possibilitou a moderna medicina personalizada.
A pesquisa clínica, baseada em evidências, também se desenvolveu permitindo que os avanços fossem cada vez mais baseada na investigação sistemática, prospectiva e com resultados tangíveis. É claro que ainda fazemos uma boa medicina com a palavra, a caneta e o estetoscópio. Continuamos a ser “gente cuidando de gente”. A arte médica jamais será superada e muito menos abandonada.
Por mais que criemos habilidades e especializemos nosso trabalho, o caráter humano de nossa profissão ficará como nosso maior compromisso. Tirar a dor e dar esperança aos pacientes será sempre nosso juramento e atuação profissional. Importante deixar aqui o reconhecimento que nosso trabalho hoje é muito mais compartilhado entre as várias especialidades médicas, com muitos outros profissionais de saúde e mesmo com outras profissões que apoiam constantemente a saúde. Ninguém faz mais nada sozinho. Precisamos estar juntos e compartilhar conhecimentos e habilidades para dar a melhor assistência à saúde, seja individual ou coletiva.
Outro aspecto fundamental é que devemos sempre nos apoiar na ciência madura e séria. Devemos, sempre que possível, participar na geração de conhecimentos. Certamente, nós sabemos explicar, educar, orientar muito melhor quando participamos das pesquisas. Não devemos nos afastar jamais dos pacientes e da sociedade. O médico deve ter a humildade de saber os seus limites. Somos seres humanos e assim podemos errar. Mas, jamais podemos cometer o erro da omissão.
O papel do médico é de liderança e de orientação para toda a equipe de saúde onde ele esteja participando. Liderança, não quer dizer imposição ou presunção do conhecimento e da decisão e sim compartilhamento de ações de maneira organizada e sustentada pela ciência e voltada aos interesses do paciente ou da coletividade. A profissão do médico bem como as pesquisas médicas são as mais tradicionais e assim as que podem oferecer os caminhos seguros e corretos para o crescimento acadêmico e assistencial de todas as profissões da saúde.
Em todos os dias 18 de outubro comemoramos e homenageamos nossos colegas médicos e renovamos nossos compromissos éticos e profissionais junto à comunidade que nos apoia e valoriza. Nossa profissão evolui de maneira acentuada como de resto também evoluíram as profissões de todas as integrantes das ciências da vida.
O tripé de arte, ofício e ciência, sempre prevalecerá em nossa vida profissional. Os extraordinários avanços na tecnologia para fins diagnósticos e terapêuticos continuarão o que nos obriga a estarmos sempre atualizados e vigilantes sobre estes avanços e quando e como incorporarmos à nossa prática médica. É nossa obrigação, dentro de um país socialmente desigual, lutarmos pela equidade oferendo aos pacientes e sociedade condições semelhantes de acesso com qualidade.
Nosso trabalho é pela busca incessante da excelência, da qualidade de vida, do bem-estar e da preservação da vida. Ainda que nossa profissão e conceitos tenham evoluído e se modificado ao longo destas últimas décadas, nossos compromissos estabelecidos em nosso juramento hipocrático se mantêm inalterados e inatingíveis. Vamos celebrar este dia e reforçar nossos compromissos com a nossa própria comunidade médica e com a sociedade. Grande VIVA aos médicos em seu dia.
(1)- “18 de outubro é o Dia do Médico: nossas efusivas homenagens”. “Hora Campinas, 18/10/2021.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.