O desenvolvimento de soluções científicas e sociais para controlar a propagação da epidemia do vírus HIV tem sido uma longa luta, que se baseia no compromisso e na defesa de muitas ações e atores, incluindo investigadores, doadores, ativistas, pacientes, dentre outros, incluindo muitos em países de baixo e médio rendimento.
Hoje, métodos potentes para prevenção e tratamento da infecção pelo HIV estão amplamente disponíveis, mas a ampla propagação geográfica do vírus e a sua prevalência em grupos populacionais vulneráveis significam que a escala da epidemia continua a ser um problema grave no mundo e também no Brasil.
Em 2016, havia cerca de 1,8 milhões de novas infecções por HIV por ano e um milhão de mortes por doenças relacionadas com a AIDS, uma grande proporção ainda em países de baixo e médio rendimento. A situação de uma população-alvo e de alto risco de HIV/AIDS – mulheres e homens transexuais que fazem sexo com homens (HSH) na África mostrou a extrema gravidade naquele continente. Numa análise de dados de inquéritos a mais de 4.500 participantes de oito países africanos, houve um maior risco de infecção pelo HIV para mulheres transgênero em comparação com outros HSH, e ainda foram relatados fatores de risco comportamentais associados à infecção pelo HIV e sobre as experiências dos participantes de estigma e violência.
Tais conclusões foram valiosas para orientar a concepção de programas para envolver e enfrentar os desafios relacionados com a prevenção e cuidados a este grupo de maior risco de infecção.
Tendo em mente o objetivo de acabar com a epidemia do vírus HIV, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (SIDA, sigla em espanhol – ONUSIDA) estabeleceu metas exigentes para alcançar uma elevada cobertura de testes de HIV, bem como um tratamento eficaz e sustentado das pessoas infectadas, em todos os países. Como exemplo das questões de envolvimento e retenção (adesão ou compliance) de pacientes nos cuidados, Samantha Kaplan e colegas relataram no seu artigo de investigação um programa de longa duração para fornecimento de terapia para o HIV, na África do Sul. Os autores estimaram que cerca de 25% dos pacientes se desligaram dos cuidados ao longo de dois anos, embora tenha sido descoberto que uma proporção desses pacientes voltou a se envolver posteriormente nos cuidados anteriormente oferecidos.
Estas descobertas indicam as dificuldades de fornecer uma terapia eficaz para uma população móvel em tais ambientes por um tempo longo com aderência e continuidade.
Num outro artigo de investigação, Margaret McNairy e colegas relatam as conclusões do Link4Health, um ensaio clínico randomizado. Com o objetivo de melhorar o envolvimento e a adesão nos cuidados de pessoas com HIV, os autores testaram uma intervenção combinada que incluía testes imediatos de HIV e início da terapêutica anti-retroviral, juntamente com outras abordagens para apoiar a prestação de cuidados. Foram relatados benefícios substanciais no envolvimento e retenção nos cuidados até um ano, indicando a promessa de abordagens combinadas para aumentar a cobertura populacional com tratamento eficaz.
Numa perspectiva intitulada “Alcançando os objetivos globais do HIV/AIDS: O que nos trouxe aqui, não nos levará lá”, Wafaa El-Sadr e coautores discutiram a importância de adaptar a terapia e os cuidados do HIV a contextos e grupos populacionais específicos.
A solução definitiva para a epidemia do HIV/AIDS seria desenvolver um método confiável para curar a infecção pelo HIV, mas até agora isso tem sido conseguido muito raramente.
O tratamento antirretroviral iniciado poucos dias após a infecção pelo HIV, talvez possa promover uma evolução clínica mais favorável apesar de, possivelmente, não conseguir a cura. Entretanto, tais análises poderão informar e ajudar no desenho de estratégias futuras destinadas a erradicar o HIV das pessoas com a infecção.
Uma terapia antirretroviral eficaz significa que as pessoas vivem agora com o HIV há muitos anos, e grandes estudos populacionais como o D:A:D (Coleta de dados sobre eventos adversos de medicamentos anti-HIV) são importantes para monitorar os efeitos a longo prazo da infecção, no sistema imunológico, nas sequelas de doenças associadas, e nos efeitos adversos dos medicamentos antiretrovirais.
Grandes estudos com pacientes portadores de HIV e sob risco elevado de doença cardiovascular e renal entre mais de 27.000 participantes do estudo D:A:D, mostraram um aumento significativo no risco de eventos cardiovasculares e renais naqueles pacientes considerados em risco para ambos os tipos de doença.
Assim, há décadas e mesmo com a disponibilização de tratamentos eficientes, mais do que nunca, as medidas tradicionais de prevenção e de redução da transmissão são válidas e absolutamente necessárias.
Os mais jovens não viveram a explosão de casos das décadas de 80 e 90 e todo o drama humano e social que foi o início da pandemia do vírus HIV. Mas, ainda hoje e com todos os avanços reais que tivemos nestas mais de quatro décadas de pandemia, devemos alertar que estamos diante de uma doença fatal em grande número de pacientes através do mundo. A prevenção é ainda o melhor fator para o bloqueio da transmissão do HIV/AIDS em nossa sociedade.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia e Hemoterapia.