Os arquivos de praticamente todos os jornalistas esportivos que trabalharam em Campinas incluem matérias com Odette Valentin Domingos. Mesmo os mais jovens já escreveram algo sobre essa mulher que viveu à frente de seu tempo, em todos os sentidos. Odette veio para esse mundo decidida a fazer diferença.
Da minha parte, lembro daquele sorriso escancarado que sempre me recebia para entrevistas cheias de novas histórias. Sim, porque uma figura tão repleta de vida possuía um contingente infinito de coisas pra contar.
Odette nunca foi mais uma pessoa no recinto. Era “a” pessoa do lugar. Chamava para si a responsabilidade de se fazer notar porque a exuberância do corpo acompanhava a opulência do caráter e a profusão do espírito.
Também convivi com Odette como atleta, nos Jogos Abertos e Jogos Regionais. No alojamento que abrigava a delegação de Campinas, Odette era mítica. A imponência que levava consigo conquistava o respeito mesmo de quem desconhecia o peso dos títulos que ela carregava. A personalidade forte intimidava os calouros e rendia provocações por parte dos que sabiam que a casca dela era dura, mas o coração, não.
Logo nas minhas primeiras matérias, Odette tinha a seu lado Argemiro Roque, outra excepcional figura de Campinas que partiu antes e viveu tão intensamente o esporte quanto ela. Um casal daqueles que compartilham a existência.
Enquanto escrevo sobre Odette, fixo no sorriso aberto que a acompanhou em vida. Lembro do afeto que gostava de espalhar por meio de abraços calorosos e da personalidade forte escorada por opiniões que não agradavam a todos.
Odette nunca foi de rodeios, de meias palavras. Duvido que alguém, algum dia, tenha se perguntado: “O que será que ela está pensando?” Odette não guardava opiniões, as compartilhava com todos.
Um dos meus últimos encontros com Odette foi na EsPCEx, lugar que se tornou parte significativa de sua vida. Foi especial ver o carinho e o respeito com que era tratada por todos, de alunos a oficiais. Justo reconhecimento por uma trajetória que o atletismo ajudou a construir – e que uma mulher preta e forte perpetuou.
Sorte a nossa ter conhecido Odette e sua coragem revestida de sinceridade. Com certeza ela chegou chegando do outro lado, fazendo barulho e juntando a turma para a primeira de muitas resenhas. O som de sua gargalhada peculiar já deve ter sido reconhecido por muita gente querida que aguardava o momento de matar as saudades de Odette.
*O corpo de Odette será velado nesta terça-feira (28), das 8h às 10h, no Cemitério da Saudade, em Campinas