Vinte e três trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em quatro cidades do interior de São Paulo, durante a terceira edição da Operação Resgate, um esforço institucional que agrega a participação de seis órgãos públicos em operações de combate ao trabalho escravo contemporâneo e tráfico de pessoas em várias regiões do país.
Com realização no mês de setembro em 22 unidades da Federação e o Distrito Federal, a Operação Resgate é a maior ação conjunta nacional já realizada, com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em todo o país foram resgatados 532 trabalhadores de condições análogas à escravidão, em 222 inspeções realizadas por mais de 70 equipes de fiscalização.
Os empregadores flagrados submetendo trabalhadores a essas condições tiveram que interromper as atividades e formalizar o vínculo empregatício dessas pessoas, além de pagar as verbas salariais, rescisórias e indenizações individuais aos trabalhadores. Cada um dos resgatados também receberá três parcelas do seguro-desemprego especial para trabalhador resgatado, no valor de um salário-mínimo cada. Os empregadores pagarão multas administrativas e podem responder a ações criminais.
Taubaté
Em Taubaté, na região do Vale do Paraíba, um trabalhador contratado por uma família como caseiro de uma chácara, sem registro em carteira de trabalho, foi resgatado de condições análogas à escravidão. No período da prestação de serviços, um total de 2 anos e 4 meses, os empregadores pagaram apenas uma remuneração de R$ 350,00 no primeiro mês de trabalho ao idoso de 63 anos, além de uma cesta básica.
No restante do período, os empregadores deixaram de pagar qualquer salário, e deixaram de entregar a alimentação ao trabalhador, e também aos 4 cães cuidados pelo caseiro, todos de propriedade da família contratante.
O trabalhador era obrigado a dar da própria comida, obtida através de doações dos vizinhos, para garantir a sobrevivência dos animais.
Para constranger e incitar o trabalhador a deixar a casa, os empregadores retiraram todos os móveis da propriedade, deixando apenas uma cama e uma geladeira antiga. O trabalhador cozinhava utilizando lenha, recolhida na própria chácara; depois de certo tempo ele recebeu a doação de um botijão de gás e de um fogão velho de um vizinho da chácara. Os pomares com frutas contribuíram para a subsistência do trabalhador.
O chuveiro também foi retirado pela família, e a água foi cortada. O caseiro tomava banho de água gelada, retirada de um poço artesiano, que fluía por meio de um simples encanamento. Ele bebia a mesma água.
São José dos Campos
Em São José dos Campos, a força-tarefa efetuou o resgate de dois trabalhadores em uma borracharia. Eles trabalhavam e moravam dentro do estabelecimento, em um “puxadinho”: um deles, um trabalhador idoso, dormia em um cômodo pequeno, sem ventilação, onde cabia apenas um colchão; o outro dormia no “telhado” do cômodo improvisado, ou seja, acima do dormitório, onde não havia sequer um colchão, sem proteção contra chuvas e intempéries. Ambos utilizavam o banheiro do estabelecimento, que carecia de salubridade e higiene, e cozinhavam em uma panela elétrica em meio à sujeira da borracharia.
Além disso, não possuíam registro em carteira de trabalho ou garantia de pagamento salarial com base no salário-mínimo. Havia ausência completa de equipamentos de proteção individual.
Penápolis
Em Penápolis, região de Araçatuba, a força-tarefa resgatou três trabalhadores de condições análogas às de escravo. Eles trabalhavam em uma olaria, às beiras da rodovia, na zona rural da cidade. Todos estavam sem registro em carteira de trabalho.
Os integrantes da operação vistoriaram os alojamentos dos trabalhadores, que se encontravam anexos às frentes de trabalho. Eles residiam no local com seus familiares. As condições de moradia eram degradantes, com total falta de higiene, grandes rachaduras nas paredes (com risco de desmoronamento), fiação elétrica exposta, ausência de portas entre dormitórios e banheiros, uma parede improvisada que separa as residências, com ausência de privacidade entre as famílias alojadas (inclusive com crianças).
Patrocínio Paulista
Em Patrocínio Paulista, na região de Franca, a força-tarefa composta por MPT, MTE e PRF flagrou 17 colhedores de laranja em condições análogas à escravidão. Eles foram trazidos da cidade de Jales (SP) por um turmeiro, figura também conhecida como “gato”, para trabalhar na citricultura. Eles não tinham registro em carteira de trabalho e ganhavam por produtividade.
Foram alojados em condições degradantes. O local de moradia não comportava o número de residentes, por ser bastante pequeno. Parte dos trabalhadores dormia na parte externa da casa, em uma área avarandada, em colchões distribuídos pelo chão, sujeitos ao frio e a outras intempéries. Dois trabalhadores dormiam dentro de uma piscina desativada, feita de fibra, também na área externa.
Um dos quartos foi improvisado na cozinha, onde há um fogão a lenha. Um único banheiro era disponibilizado aos migrantes, em total desconformidade com a norma trabalhista.
Segundo depoimentos, nas frentes de trabalho não eram disponibilizados equipamentos de proteção individual, sanitários ou locais para refeição e proteção contra intempéries.