O padre Júlio Lancellotti, da capital paulista, comemorou a decisão da Catedral Metropolitana de Campinas de remover as estacas de ferro que impediam que moradores em situação de rua se sentassem ou dormissem em uma escada lateral do prédio. Em entrevista ao Hora Campinas, ele revelou que sofreu ataques da comunidade da igreja e ainda reclamou de preconceito de idade. Ele avalia a retirada das estacas como uma reparação.
“Acho que a retirada demonstra uma atitude de humildade e coragem. A Paróquia de Campinas atua junto aos pobres e assumiu que foi um erro histórico, já que as estacas estavam lá desde 1990. A remoção é um sinal de que está de acordo com o que se pratica”, diz.
Padre Júlio diz que tramita no Senado, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), e em outras diversas cidades do País, projetos de leis contra a instalação da chamada arquitetura hostil, com elementos instalados para evitar a presença de pessoas em situação de rua.
“Há uma mobilização contra esses obstáculos excludentes. É uma agressão que está muito presente e a aporofobia (ódio, ojeriza a pobre) é um fenômeno antigo, não é novo, mas foi nomeado mais recentemente, por uma autora da Espanha”, explica o padre.
Júlio Lancellotti afirma que após apontar o problema das estacas na igreja de Campinas, sofreu ataques de membros da paróquia.
“Fui muito atacado. Recebi mensagens espantosas dizendo que não sou padre, que sou herege, comunista, franciscano hipócrita, nojento. Manifestam um nível de agressividade muito duro”, revela o padre paulista.
Por fim, ele falou sobre os comentários do padre Caio Augusto de Andrade, pároco da Catedral, que disse que padre Lancellotti está “meio idoso, não teve muito discernimento ou foi manipulado, induzido ao erro”, quando fez o apontamento.
“Essa é uma outra discriminação que não devemos ter com os idosos. Acho que uma alegação dessa é extremamente preconceituosa. Idade avançada também tem o Santo Papa, que é 10 anos mais velho que eu. Estou fazendo 73 anos e não fui interditado. Isso mostra um preconceito muito forte com os idosos. Aceito a opinião e a posição dele, mas sai de um preconceito e cai em outro”, diz Lancellotti.
O padre paulista diz que esse argumento é triste. “É um argumento que desqualifica o interlocutor e faz parte de um discurso de ódio. É preciso assumir que nós não somos infalíveis. Ficar na defensiva não faz bem. Eles retirarem as estacas é um reconhecimento de que é inadequado”, observou.
“Levaram 30 anos para perceberem, e precisou de um post para que em um dia fosse retirado”, conclui o padre Júlio.
Entenda o caso
O assuntou viralizou depois que, na última segunda-feira, o padre Júlio Lancellotti, conhecido por sua militância social, publicou uma foto da escada lateral da Catedral Metropolitana, onde estavam as estacas de ferro, com a frase “Aporofobia na Catedral de Campinas. Nem sempre a casa de Deus é a casa do Povo”. O assunto rapidamente tomou as redes com comentários e compartilhamentos.
O padre Caio Augusto de Andrade, que é pároco da Catedral há apenas dois meses, explicou que aquela parte do prédio, ao lado da Rua Costa Aguiar, é administrada há anos por uma associação de fiéis civis, e lá ficava uma porta. “Quando a cidade cresceu, fechou aquela entrada e inutilizou aquelas escadas e colocou aqueles espetos horríveis, na década de 80, 90. Quando nem a igreja nem a sociedade discutiam a opção preferencial pelos pobres, e ficou lá. Esquecemos de tirar. Talvez tenha sido colocado mais para inutilizar a porta do que para impedir a presença dos moradores de rua”, disse.
Padre Caio telefonou para Lancellotti, explicou a situação e a publicação foi removida. Padre Caio ressalta que não ficou chateado com o padre Júlio Lancellotti. “Não fiquei chateado, fiquei constrangido. Não quero dizer que ele errou, mas, talvez, foi instrumentalizado ou até mesmo induzido ao erro. Talvez por estar meio idoso, não teve muito discernimento ou foi manipulado, induzido ao erro. Mas acredito no padre Júlio, gosto dele, tenho grande admiração, sempre me inspirou na opção pelos pobres”, declarou.