Circular pela Internet, zapear no Google, procurar autores e ideias é delicioso, desde que você não se envolva, como se apenas fosse um expectador da vida. Porém, se começar a se comprometer, refletindo sobre o que estiver aprendendo, vai ficar profundamente incomodado – cada busca confirmará que você sabe muito pouco…
Entretanto, isso não pode nem deve desanimá-lo. Ao contrário, melhor funcionaria se o estimulasse a aprender cada vez mais. Sabemos pouco de nós mesmos, os homens, da nossa natureza, se ela é essencialmente boa ou má. Rutger Bregman, em seu recente livro “Humanidade”, sugere que o homem seja originalmente bom.
O homem bom seria consequência óbvia da referência bíblica do Gênesis (1:26–27), onde se lê: …“E criou Deus o homem à sua imagem”… À medida que o Criador corresponda ao exemplo completo de Amor, à Bondade Absoluta, a criatura teria que portar alguma originalidade boa.
Existe essa aceitação geral de que os homens fomos criados à semelhança de Deus. Por outro lado, como seres humanos limitados às nossas dimensões e noções, parece que, a rigor, nós é que criamos Deus à nossa semelhança.
Usamos habitualmente a antropomorfização para nos referirmos a Ele. Mesmo entrando em contradições frequentes e exageradas, a nossa comunicação sobre Deus é totalmente baseada em nossos limites. Nossos conhecimentos, valores e expectativas.
Concordamos que Deus é onipotente, onisciente e ubíquo (onipresente). Isso só revela nossa ansiedade expectante de ser um ser superior, que tivesse todos esses poderes e capacidades.
Com isso, sem perceber o contexto contraditório, estamos abusando dessas opiniões e suposições incongruentes. Exemplos:
1) Dizemos: “seja feita a vontade de Deus!” Ou: “se Deus quiser”. Na verdade, Deus não tem vontades, Ele sabe tudo, e tudo mesmo (do passado, do presente e do futuro). Deus não tem dúvidas, não tem expectativas, não tem planos. Não pode haver uma “vontade” divina. Vontade implica desejo, propósito, desígnios – nada disso cabe nesta personalidade divina que os homens criaram.
2) Chegando no séc. 7, o Papa Gregório Magno foi o principal divulgador do Purgatório – o estado e o processo de purificação temporária da alma. Observe bem que se trata de uma etapa, implica tempo. No catolicismo, as almas em temporada no Purgatório já estão salvas, mas terão que padecer um período de amadurecimento espiritual antes do Céu. Isto corresponde à evolução anímica do espiritismo. Ou seja, a alma reencarna algumas vezes e depois segue evoluindo no plano espiritual.
A contradição essencial decorre da alma imortal. Trata-se de um ser eterno, sem limites temporais. Não tem o mínimo sentido você definir um tempo de evolução de algo que já está salvo e é perpétuo.
3) O prosélito põe-se a orar, quer muito pedir a Deus que lhe conceda um resultado ótimo no trabalho. Descreve todos os sacrifícios e promessas que fez para bem informar o Senhor e convencê-Lo a dar-lhe bênçãos de sucesso. Ocorre que Deus não tem que ser informado de nada. Ele domina todas as informações. Nós, humanos, é que estamos embasbacados com a tecnologia da Era da Informação…
Deus, então, o que seria? Ficção, fantasia? Apenas isso, uma imaginação?
Os ateístas mais militantes e polêmicos, como Michel Onfray e Richard Dawkins, comentam combativa e criticamente a crença em Deus. O francês aponta: “… os homens fabulam para evitar olhar o real”. O queniano publicou um famoso livro com o título: “Deus, um delírio”.
Penso que a militância e críticas combativas são muito importantes, mas não favorecem a autoavaliação dos crentes. Faltaria, então, perceber que a ideia de Deus não é apenas uma fantasmagoria. Extrapola a conjectura absurda, implica outras subjetividades, além do medo objetivo de não escapar da morte, de não ter salvação.
Proponho, conforme sugeri em meu livro “Ideias e Luzes”, que a ideia de Deus é uma obra-prima da arte humana. É o máximo artístico que o homem pode alcançar.
São muito conhecidos os relógios derretidos do pintor surrealista Salvador Dali. A tela “Persistência da Memória” tem resiliência – ela não precisa se atualizar em telas de celulares. Essa imagem artística é resistente, tem que seguir original.
A fé, mística e propagada, talvez tenha essa resistência, permanecendo forte e prolongada como arte poderosa. Os sábios das igrejas, consciente e/ou inconscientemente, mantêm os mistérios que sustentam a fé.
Portanto, Deus é a obra-prima da arte humana. É arte, não é ciência. E a fé, cheia de mistérios, também se contradiz. Querendo provar a certeza de Deus, pretende iluminar essa arte como se fosse a luz da ciência.
Basta de reflexões, hoje! E lembremos de Werner Heisenberg sacudindo os nossos raciocínios: “O primeiro gole do copo das ciências naturais o tornará um ateu. Mas, no fundo do copo, Deus estará esperando por você”…
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.