Prazeroso ver Liam Neeson retomar papéis mais consistentes longe dos tipos infalíveis dos filmes de ação. Em De volta à Itália (Made in Italy, Inglaterra/Itália, 2020, 97 min.), o bom ator irlandês mergulha com sensibilidade na história de um artista amargo cercado por fantasmas do passado.
Em tempos de espectadores irritados quando se antecipa detalhes da história, o título em português se encarrega de contá-la um pouco. Mas nem precisa se preocupar com spoiler porque o filme não tem enredo intrincado ou grandes viradas.
Há, sim, elementos de outras películas do gênero, como o clichê de mencionar a região da Toscana e fazer dele lugar místico por conta da beleza e da história – algo como chamar o Rio de Cidade Maravilhosa. No entanto, os clichês que passeiam aqui e ali ganham graça, humor e simpatia por conta do olhar particular do ator britânico, James D’Arcy, encarregado da escrita do roteiro e da direção.
Observe a perfeita solução da cena do jantar entre os três principais personagens: Robert (Liam), o filho Jack (Micheál Richardson) e Natalia (a italiana Valeria Bilello). Ou na sequência simples e cativante em que Natalia apresenta a filha de oito anos a Jack.
Ou, de como D’Arcy aprendeu bem as lições do manual de roteiro, delineando com cuidado cada passo da história; porém, ousa ao criar atmosfera que desperta empatia do espectador desde o começo.
O pintor Robert e o filho galerista retornam à casa da família, na Itália, a fim de vendê-la. Jack está se separando e necessita de dinheiro para comprar a parte da mulher de uma galeria em Londres. A casa, caindo aos pedaços, começa a renascer e, pai e filho, que protagonizam relação distanciada até então, vão se descobrir.
Confira o trailer no link https://youtu.be/4ICLSRYOLqQ
É difícil não falar de comida na Itália? Ou do cinema que gerou cineastas como Fellini, Visconti, De Sica e Antonioni? Ou da alegria dos italianos demonstrada na música acelerada e na simplicidade da vida no interior e disposição em ajudar o vizinho?
São todos lugares comuns. Mas por que há certo encantamento nas pessoas assistindo a um filme ao ar-livre em calorosa noite de sábado após comer massa no ótimo restaurante de Natalia? O roteirista e diretor usa imagens recorrentes não apenas para dar toque de sofisticação ou de nostalgia ao filme, mas como elementos a serviço do roteiro. Uma cena sutil informa e faz a história seguir adiante.
Caso da referência à mãe de Jack no cochicho de um casal durante a sessão de cinema. A sequência indica os próximos passos do personagem. Ou, no citado jantar a três, quando Natalia descobre o quanto Jack e Robert são capazes de preparar um ragu. São detalhes que nos conquistam, aos poucos.
Quando as verdades do pai e do filho começam aparecer, estamos dominados pela capacidade do diretor em nos seduzir com história simples.
Talvez porque o filme se aproveita de alguns ingredientes incomuns: Liam e Micheál são pai e filho na vida real, e a história (também real) da mulher de Liam repercute no filme e lhe confere veracidade e sinceridade nas emoções. Micheál se revela carismático ator. Veja a cena na qual, embriagado, confronta o pai pela primeira vez. Difícil fazer alcoolizado sem cair no estereótipo. Pois o ator demonstra sofrimento usando palavras fortes, mas é a voz aflitiva que nos convence da emoção que ele experimenta.
De volta à Itália é um filme comum, mas é, também, terno, aconchegante e que cabe bem em um sábado à noite antes de comer massas em restaurante italiano. Vejam que o próprio comentário esbarra no clichê. Que seja.
Depois de mencionar o modo afetuoso de os italianos lidarem com o ato de comer, cantar e referir-se a filmes da respeitadíssima cinematografia do país, some-se mais um: cultivar contatos espalhafatosos sem irritar ingleses frios e medrosos de se tocarem ou mexerem nas emoções. Em dado momento, Jack diz uma frase com toque de humor, mas de enorme peso emocional. “Aos sete anos, fiquei orgulhoso por não ter chorado no enterro da minha mãe. Hoje, moleques choram quando derrubam sorvetes”.
Se para nada servisse a curta viagem que fariam à Itália, os britânicos Robert e Jack, já teriam ganhado a vida. Mas eles ganharam muito mais: perderam o medo e aprenderam a chorar.
Estreia na Rede Cinépolis do Galleria Shopping, em Campinas
João Nunes é jornalista e crítico de cinema