A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), realizada pelo IBGE, investigou, no 4º trimestre de 2022, a relação de trabalho por meio das plataformas digitais. Os dados revelaram a precarização do trabalho dos profissionais chamados de ‘plataformizados’, e o controle exercido pelas empresas dos setores de transporte e entrega de mercadorias sobre eles. O estudo também comparou a remuneração e a jornada de trabalho com profissionais dos mesmos segmentos, mas que desempenham sua atividade sem o intermédio das plataformas, chamados no estudo de ‘não plataformizados’.
Segundo a pesquisa, os trabalhadores vinculados aos aplicativos que exerceram a atividade de transporte de passageiro receberam, em média, R$ 11,80 por hora trabalhada, enquanto os mesmos profissionais ‘não plataformizados’ receberam R$ 13,60 por hora, representando uma diferença de 15,25%. A pesquisa também revelou diferença de 7 horas semanais na jornada de trabalho, sendo a média de 47,9 para os ‘plataformizados’ e 40,9 horas para os demais.
Os indicadores são ainda mais preocupantes quando se é analisado o trabalho dos entregadores de mercadorias e delivery. Os ‘plataformizados’ receberam uma remuneração média de R$ 8,70 por hora trabalhada, enquanto os ‘não plataformizados’ receberam R$ 11,90, uma diferença de 36,78%. Assim como os motoristas, a jornada de trabalho também é superior. Enquanto o primeiro grupo trabalhou, em média, 47,6 horas por semana, o segundo atuou em 42,8 horas.
Para o procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, a pesquisa da PNAD Contínua demonstra, a partir de um levantamento estatístico nacional, a precarização do trabalho em plataformas digitais, um tema que vem sendo abordado pelo MPT em atuações judiciais e extrajudiciais, com a finalidade de garantir os direitos trabalhistas desses profissionais.
“Ninguém quer impedir o avanço tecnológico, nem as novas firmas de contratação via aplicativo, mas isso precisa ser feito respeitando o patamar mínimo civilizatório conquistado ao longo de muitos anos de luta da classe trabalhadora. Entregadores e motoristas que não trabalham via aplicativo trabalham menos e recebem mais, além de representarem quase o dobro do total dos trabalhadores por aplicativo que contribuem com a Previdência. Ou seja, estamos criando uma subcategoria, com subempregos, sob uma falsa premissa de modernização. Esses trabalhadores precisam ser respeitados e terem seus direitos assegurados”.
Controle
A pesquisa também revelou o controle exercido pelas plataformas digitais em relação aos trabalhadores, analisando o nível de dependência quanto à definição dos valores para realizar as tarefas; os clientes a serem atendidos; o prazo para realização da atividade; a forma de recebimento do pagamento e a jornada de trabalho.
O transporte por passageiro alcançou 97,3% de dependência em relação ao estabelecimento do preço pela corrida, enquanto os entregadores são 84,3% dependentes das plataformas nesse quesito. Ambos também apresentaram taxa semelhante em relação aos clientes: 87,2% dos clientes são determinados pelas plataformas no caso dos motoristas e 85,3% no caso dos entregadores.
Jornada de trabalho
A influência dos aplicativos para determinar a jornada de trabalho foi outro item do levantamento que merece destaque. 63,2% dos entrevistados afirmam que os dias, horários e duração do trabalho são influenciados pelos bônus e incentivos oferecidos pelas plataformas e 42,3% pela possibilidade de punição e bloqueios.
Mesmo apontando que as plataformas ditam as regras para determinar a jornada de trabalho, 83,8% dos motoristas disseram à pesquisa que possuem possibilidade de escolha de dias e horários de forma independente.
Em relação aos aplicativos de entrega, 54,5% afirmaram que são influenciados pelos bônus e incentivos que mudam os preços e 32,8% pelas ameaças de punições e bloqueios realizados pelas plataformas. 70,8% acreditam que possuem liberdade de escolha de dias e horários.
Dados gerais
A pesquisa também revelou o perfil sociodemográfico dos trabalhadores. No total, 2,1 milhões de pessoas trabalharam por meio de aplicativos de serviço. 61,3% dos profissionais possuíam ensino médio completo ou superior incompleto sendo que 47,2% eram trabalhadores de transporte particular de passageiro; 39,5% de aplicativo de entrega de comida ou produtos, 13,9% de aplicativos de táxi e 13,2% de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais.
Em relação à ocupação, 77,1% afirmaram que trabalhavam por conta própria, 6,6% eram compostos pelos empregadores e 15,2% por pessoas com outros empregos no setor privado, em sua maioria que não possuíam carteira assinada (9,3%).
Pesquisa
A inserção na PNAD do módulo específico sobre trabalho em plataformas e teletrabalho é fruto da cooperação entre o IBGE, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Para a procuradora do MPT em Campinas Clarissa Ribeiro Schinestsck, responsável pela cooperação, o ineditismo da pesquisa representa um importante passo para subsidiar o debate envolvendo o trabalho em plataformas digitais.
“A pesquisa contribui sobremaneira para fomentar o debate público em torno da regulação do trabalho em plataformas digitais, inclusive do ponto de vista previdenciário, o que só é possível através de dados oficiais. Além disso, as estatísticas abrem a possibilidade para a criação de políticas públicas efetivas e para o planejamento da atuação dos órgãos de defesa do trabalho decente, ao mesmo tempo que demonstram claramente a informalidade nesse tipo de trabalho, a forte dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, jornadas mais elevadas e rendimento menor do que os trabalhadores ‘não plataformizados’ do setor privado”, aponta.