Criado em 2017, com o objetivo de promover inclusão social e incentivo ao ciclismo, o Projeto KB2/Olhos que Guiam proporciona esporte e lazer para deficientes visuais em Campinas. Após a paralisação das atividades por conta das restrições impostas pela pandemia de Covid-19, o projeto social voltou a operar em agosto deste ano.
Os passeios acontecem todos os domingos, das 8h às 12h, na Lagoa do Taquaral, com exceção do primeiro fim de semana de cada mês, quando o encontro dominical ocorre em Joaquim Egídio, também no período da manhã.
O Projeto KB2 oferece gratuitamente bicicletas duplas, também chamadas de tandens, isto é, adaptadas com dois assentos, podendo chegar até três, além de equipamentos de segurança para ciclismo. Atualmente, cerca de 20 deficientes visuais são atendidos pelo voluntariado e participam em sistema de revezamento semanal.
“Temos um total de 10 bicicletas duplas, mas não adianta levarmos todas porque às vezes não temos quantidade suficiente de guias voluntários, então a gente alterna sete deficientes por semana”, explica o idealizador e coordenador do projeto, o aposentado Almir Martelli, de 59 anos.
“Eu tenho uma caminhonete Montana e consigo levar até três bicicletas, além das tralhas, como mesa, banquinho, galões de água, banner, caixa de ferramentas e bomba para encher pneu. Familiares de duas deficientes do projeto levam as outras quatro bikes em carros normais”, conta Almir Martelli.
O Projeto KB2/Olhos que Guiam conta com uma equipe de voluntários que exercem três tipos de funções. “Os ciclistas guias são os mais importantes e têm a maior responsabilidade, pois conduzem as bicicletas duplas. Já os batedores acompanham o trajeto com bicicletas normais para dar suporte, como em caso de corrente solta, por exemplo. Por fim, os apoiadores ficam no local de chegada para ajudar o deficiente visual a sair da bicicleta e providenciar água e alimento. Sem essa equipe, o projeto não seria nada”, descreve Almir Martelli.
Para apoiar, financiar ou participar do Projeto KB2, tanto como deficiente visual quanto como voluntário, basta entrar em contato por meio das redes sociais do projeto (@olhosqueguiam) ou então comparecer ao portão 2 da Lagoa do Taquaral, onde uma faixa fica esticada durante toda a manhã de domingo, exceto no primeiro de cada mês.
“Entre em contato com a gente ou apareça na Lagoa para conversar. É um projeto gratuito, não temos nenhum patrocinador forte ainda, mas de vez em quando ganhamos bicicletas e fazemos rifas. Temos uma caixinha que a pessoa coloca o valor que quiser para nos ajudar”, destaca Almir Martelli.
“Eu tento atrair e cativar as pessoas que chegam e perguntam sobre o projeto. Certo dia, apareceu um vendedor de peças de reposição de bicicletas disposto a nos fornecer pastilhas de freio, correntes e manutenção. Também tem muita gente que doa equipamentos de proteção individual como capacete, luva, óculos e até shorts de ciclismo. Voluntariado é assim”, aponta Almir Martelli.
História
Prestes a completar cinco anos de vida, o Projeto KB2/Olhos que Guiam nasceu oficialmente em fevereiro de 2017, mas a ideia surgiu há cerca de uma década, durante uma viagem a trabalho de Almir Martelli.
“Trabalhei durante 35 anos numa multinacional em Campinas, a Bosch. Eu tinha uma rotina muito grande de viagens pelo Brasil. Numa delas, em Recife, estava no hotel assistindo televisão quando passou uma reportagem de uma emissora local sobre um passeio ciclístico de domingo. O repórter entrevistou um rapaz que tinha emendado duas bicicletas para o irmão deficiente visual poder se divertir junto com ele, pois ficava incomodado de sair para passear de bicicleta e o irmão ficar em casa. Isso me tocou bastante”, revela Martelli.
“Eu já estava envolvido com mountain bike e naquele dia decidi que levaria alguém para pedalar e se divertir comigo”, lembra. Determinado a proporcionar a experiência do ciclismo para deficientes visuais, inspirado na reportagem que assistiu na capital pernambucana sobre a história dos dois irmãos, Almir Martelli mergulhou fundo nesse universo até então pouco conhecido por ele.
“Na reportagem. o deficiente visual disse que pedalar dava uma sensação de liberdade e que ele adorava sentir o ventinho no rosto. Inclusive, ouvi bastante essa frase depois que montei o projeto”, diz Almir Martelli.
“Eu gosto de projetar muito bem as coisas para ter segurança do que estou fazendo. Quando comecei a procurar bicicletas duplas, descobri que não são fáceis de encontrar em lojas físicas, pelo menos eu nunca vi. Comprei pela internet uma bike modelo Houston e testei com a minha mulher, que não sabia pedalar. Foi quando percebi que é um exercício que exige muito das pernas e dos braços”, ressalta Almir Martelli.
Para colocar o projeto em prática, Almir Martelli contou com o auxílio da pedagoga Fátima Mendes, especialista na área de deficiência visual, que trabalha na Unicamp. “Costumo dizer que eu sou o coração do projeto e ela é a cabeça. A Fátima me ensinou muitas coisas e ajudou a divulgar o projeto em suas aulas para ver se alguém tinha interesse”, destaca.
“O nosso primeiro deficiente visual foi um biólogo e professor de Nutrição chamado Roberto, que não é cego de nascença, mas adquirido. Ele perdeu a visão por completo aos 42 anos. Na sequência, veio a Erica, que tem diabetes e problema de glaucoma. No começo, como eu mesmo dirigia a bicicleta, cheguei a dar 10 voltas na Lagoa com eles, o que corresponde a 60 km. Depois, veio o terceiro deficiente, comprei a segunda bicicleta e começamos a ter guias”, relembra Almir Martelli sobre o início da caminhada do projeto.
“Ficamos praticamente três anos pedalando somente na Lagoa do Taquaral porque é um local seguro, com via fechada e um clima gostoso de esporte, além da questão de dar visibilidade ao projeto. Porém, quando acontecia a Corrida Integração, a gente tinha que cancelar porque a Lagoa ficava uma loucura. Por isso, passamos a pedalar também na Trilha do Bonde, em Joaquim Egídio, e na Unicamp, saindo da Praça do Coco”, relata Almir Martelli.
Pandemia
Com a chegada da pandemia a Campinas, em março do ano passado, o Projeto KB2/Olhos que Guiam precisou ser interrompido e ficou paralisado durante cerca de um ano e meio. A volta das atividades aconteceu no terceiro domingo de agosto, no dia 15, junto ao retorno da “Operação Lagoa”, com adaptações e novos procedimentos para evitar o contágio do novo coronavírus.
“Todos estavam doidos para voltar, mas retornamos em boa hora. Como o pessoal gosta muito de Joaquim Egídio, porque é um lugar mais fresco e arborizado, estamos pensando em aumentar para dois domingos por mês lá”, revela Almir Martelli.
Entre as medidas sanitárias adotadas, o capacete se tornou acessório de uso exclusivo de cada deficiente visual. “Antes da pandemia, a gente tirava o capacete de uma pessoa e colocava na outra, mas agora a gente pergunta se a pessoa vai continuar no projeto e então cedemos o capacete, assim ela pode levar para casa e higienizar”, informa Almir Martelli.
O momento de hidratação também sofreu mudanças devido à pandemia. “Eu levo um galão de 20 litros e encho quatro garrafas menores de cinco litros. Graças a uma pessoa que se interessou pelo projeto, fizemos um requerimento e a Sanasa passou a nos patrocinar com três caixas de copos de água descartáveis, só que ainda não voltaram a fornecer por causa da pandemia”, explica Martelli.
Campanha virtual
Ex-nadadora bicampeã paralímpica, medalhista de ouro nos Jogos de Sydney, em 2000, e Atenas, em 2004, a campineira Fabiana Sugimori conheceu o Projeto KB2 em agosto de 2017 e se apaixonou pelo ciclismo. “Ela é uma referência do esporte e uma pessoa super simpática. Quem a trouxe para o projeto foi uma outra Fabiana, uma pianista deficiente visual que pedalava conosco e a conhecia”, comenta Almir Martelli.
“A Fabiana Sugimori nos cedeu uma bicicleta com a qual treinava resistência, mas não sabia em que condições estava. Eu fui até a casa do irmão dela, que fica no próprio Taquaral, e levamos para consertar o banco e o pneu”, recorda Almir Martelli.
No último mês de julho, ao lado de outros deficientes visuais, Fabiana Sugimori formou um grupo de ciclismo chamado Iron Bikers. “Somos três amigos que nos juntamos para fazer pedais, normalmente às quartas-feiras, na Unicamp. Ao todo, temos três bicicletas duplas, sendo duas Houston de alumínio e a minha própria para mountain bike, portanto bem mais pesada, pois é feita de aço carbono, possui 2,38m de comprimento e um quadro mais forte. Para colocá-la em cima do carro, preciso da ajuda de duas a três pessoas, então acabo não conseguindo levar para alguns lugares, a não ser que eu saia pedalando de casa”, lamentou Sugimori.
Diante das dificuldades de transporte, Fabiana Sugimori criou uma campanha virtual com o objetivo de arrecadar recursos para comprar uma carreta com medidas adequadas para carregar as bicicletas duplas. “Queremos comprar uma carreta de dois andares para caber quatro bicicletas pesadas embaixo e quatro mais leves em cima. O orçamento é R$ 8 mil, mas ainda tem o engate no carro e toda a documentação”, lista Sugimori.
“A vaquinha não está vinculada ao Projeto KB2 nem ao grupo Iron Bikers. O objetivo é beneficiar um grupo de deficientes visuais. Da mesma forma que eu adoro pedalar, outros deficientes também gostam e às vezes faltam oportunidades. Com a carreta, a gente conseguirá levar mais gente para pedalar e em lugares diferentes”, salienta Fabiana Sugimori.
Até o momento, a vaquinha virtual já arrecadou R$ 2,3 mil. A meta é conseguir R$ 11,5 mil. Para colaborar, basta acessar o link abaixo: www.vakinha.com.br/vaquinha/deficientes-visuais-precisam-de-ajuda-no-transporte-de-bikes-duplas