No mês do Orgulho LGBTQIA+, começou a tramitar na Câmara de Campinas um projeto de lei que pretende proibir a inclusão na grade curricular das escolas municipais da chamada “linguagem neutra” – que é uma forma de comunicação defendida por ativistas do movimento feminista e LGBTQIA+, que veem na forma tradicional da Língua Portuguesa uma ferramenta que perpetua a desigualdade e amplia a exclusão.
Por isso, esse grupo pede a incorporação à lingua, de vocábulos hoje não reconhecidos formalmente, e propõe, por exemplo, a substituição de “todas” ou “todos” por “todes” ou “todx”. Ou ainda, o uso da grafia “amigxs” quando alguém deseja se referir genericamente a amigos e amigas.
Existem duas correntes neste tipo de iniciativa. Uma delas é a chamada “linguagem inclusiva” – não sexista e busca comunicar sem excluir nenhum grupo, mas usando palavras que já existem, como por exemplo, “Boa noite a todos e todas”. Já a linguagem neutra prevê a inclusão e o não sexismo, mas defende também a mudança na ortografia.
“É inadmissível pensar nessa hipótese completamente insensata. A Língua Portuguesa é nossa língua nativa e um patrimônio cultural brasileiro ao longo de séculos. Precisamos preservar o direito do estudante de aprender a norma culta”, afirma o vereador Nelson Hossri (PSD), autor do projeto que proíbe a mudança, segundo declarações dadas à assessoria de imprensa da Câmara.
“A educação deve preparar o aluno para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho, e essa aberração não agrega em nada para isso”, acredita o vereador. Para ele, a “linguagem neutra” traria problemas, por exemplo, para crianças surdas e disléxicas, dificultando o aprendizado.
“Está claro que a “linguagem neutra” atende uma pauta ideológica”, avalia ele. “Inclusive há na Câmara de Campinas uma vereadora de esquerda que adota essa linguagem”, informa ele.
Paolla Miguel
A vereadora (PT) Paolla Miguel, que usa esses termos em sessões da Câmara, em lives ou eventos dos quais participa, diz que a apresentação de um projeto como este evidencia “a insensibilidade” do colega. Para ela, esse tipo de tratamento tem na ideia da inclusão, seu elemento essencial. “Quando o movimento LGTB discute a linguagem neutra é justamente para ser inclusivo, né?”, argumenta a vereadora.
“A gente está no meio do Orgulho (junho, mês do Orgulho LGBTQIA+); teve um caso de LGBTfobia numa escola estadual contra um uma criança de 11 anos há poucos dias e, depois de tudo isso, ele apresentar esse projeto, é justamente a representação do conservadorismo”, afirma.
“Acho que na verdade, esse projeto é muito mais uma tentativa de evitar discussões sobre LGBT nas escolas, do que, de fato, proibir a linguagem neutra”, acredita.
“Esse projeto, para mim, é mais um sinalização de que a base conservadora quer evitar esse tipo de debate nas escolas, e não, propriamente, preservar a língua portuguesa”, finaliza a vereadora.
Ela conta que está iniciando um movimento que pretende debater a formação de profissionais da educação, de forma a tornar o ambiente escolar menos hostil a assuntos como esses, por exemplo.
Guida Calixto
A vereadora Guida Calixto (PT) lembra que a linguagem não é neutra, porque sempre vem carregada de contextos e conceitos, mas afirma que a ideia da linguagem neutra traz consigo a luta por inclusão de um segmento que sofre discriminação e preconceito há muito tempo.
“Trata-se de uma pauta muito importante para esse segmento que sofre numa sociedade machista, misógina, LGBTfóbica. Por isso sou plenamente favorável à discussão desse tema”, diz ela.
“Agora. Eu acho um absurdo, que um vereador venha interditar o debate. Aliás, acho que esse projeto vem recheado do posicionamento ideológico e religioso do parlamentar”, acrescenta.
“Ele como agente político até poderia propor o debate, mas impor seu posicionamento é muito ruim. Fere até a constituição, que garante o debate”, avalia. “A escola é um ambiente que acolhe as diferenças e um projeto como esse não ajuda em nada nessa discussão”, finaliza Guida.