A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei 2628/2022 – que cria regras para proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital – reacendeu o debate sobre a chamada “adultização” precoce e o trabalho infantil em redes sociais.
A proposta, que agora retornará para a análise do Senado, prevê medidas como fiscalização por autoridade nacional autônoma, verificação mais rigorosa da idade dos usuários e sanções que podem chegar a R$ 50 milhões para plataformas que descumprirem as normas.
A urgência da proposta foi aprovada pelos deputados na terça-feira (19), o que possibilitou uma tramitação mais rápida. O relator, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), acrescentou à ementa da matéria a expressão “ECA digital”, em alusão ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para especialistas que acompanham há anos a escalada da exposição de crianças nas redes, o projeto de lei representa um passo muito positivo, uma “luz no túnel”, mas que para colher resultados sólidos poderá levar um tempo.
Os principais desafios são garantir a proteção de crianças e adolescentes sem restringir a liberdade de expressão e a censura, e encontrar o equilíbrio na responsabilidade das plataformas digitais, que precisam implementar medidas para mitigar a exposição a conteúdos nocivos e a coleta de dados.

Na opinião da especialista em educação infantil Lucelaine Borges Zampolin — gestora pública em Indaiatuba e docente do Centro Universitário de Jaguariúna (UniFAJ), Lucelaine Borges Zampolin, embora a legislação seja um avanço importante, sua efetividade dependerá de uma mudança de postura da sociedade e, principalmente, das famílias, que precisam acompanhar de perto o uso das redes pelos filhos.
“Muitas vezes são os próprios responsáveis que colocam a criança nesse lugar de exposição. E aí está o perigo. Anteriormente, apesar de existir o trabalho infantil, ele não era exposto dessa forma. Agora, os responsáveis promovem isso e transformam a rotina das crianças em conteúdo”, observa Zampolin, que possui especializações em bullying, violência e discriminação.
Repercussão nacional
O tema ganhou ainda mais visibilidade após o influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, publicar no início de agosto um vídeo denunciando a atuação do influenciador paraibano Hytalo Santos, apontando exploração de adolescentes. O material viralizou e ultrapassou dezenas de milhões de visualizações, mobilizando famílias, autoridades e organizações da sociedade civil em defesa de maior proteção digital.
A repercussão acelerou a tramitação do PL 2628/2022 no Congresso. Dentre as obrigações que deverão ser fiscalizadas nas plataformas digitais, estão:
- garantir que contas de crianças e adolescentes estejam vinculadas a um responsável legal;
- remover conteúdos considerados abusivos ou impróprios;
- aplicar mecanismos mais rígidos de verificação de idade;
- reforçar a supervisão parental.
“O problema do trabalho infantil não é novo. Já existia na década de 1980, quando crianças eram expostas na televisão ou em comércios locais. O que mudou com as redes sociais é que esse trabalho se torna constante, dentro de casa, que deveria ser um espaço de segurança. Cada movimento da vida da criança passa a ser produto, vendido na mídia”, preocupa a docente, que volta a defender a importância do papel dos pais e responsáveis.
“As redes sociais são um caminho sem volta. É um trabalho difícil, mas os adultos precisam ser mediadores desse conhecimento. Quem ama de verdade sabe dizer não, porque entende que é através desse ‘não’ que a criança terá acesso ao melhor para seu desenvolvimento e sua saúde mental”, completa.
O texto do projeto aprovado estabelece que será criada uma “autoridade administrativa autônoma” por meio de lei, responsável por seguir as diretrizes da Lei das Agências Reguladoras. Além disso, atendendo a emendas da oposição e a recomendações das grandes empresas de tecnologia, o relator retirou do projeto a expressão “dever de cuidado”.
“Entendemos que essa situação pode abrir espaço para interpretações amplas e imprecisas, resultando em exigências desproporcionais às plataformas, como o monitoramento prévio generalizado de conteúdos e, consequentemente, provocando insegurança jurídica”, justificou em entrevistas a CNN o relator, Jadyel Alencar.
Para a professora, a repercussão e a resposta rápida do Congresso demonstram que a sociedade foi confrontada com um limite:
“A sociedade só muda quando tem um choque de realidade. É assim com catástrofes ambientais, e agora também com a exposição das crianças. Essa nova legislação traz uma boa luz no fim do túnel”, finalizou.











