Há alguns dias, através de nossas redes sociais, nós, docentes da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, trocávamos ideias a respeito dos projetos futuros à área de saúde de nossa região. Devemos lembrar que a Região Metropolitana de Campinas tem a dimensão e PIB semelhantes ao de diversos países. Só a RMC se assemelha ao Uruguai, nestes critérios.
Se expandirmos um pouco e colocarmos a área da saúde na abrangência da Diretoria Regional de Saúde 7 (DRS-7), que inclui as regiões de Campinas, Jundiaí, Bragança Paulista e Circuito das Aguas, nossa região se assemelha aos países da Escandinávia e de vários países da Europa.
Estou colocando estes parâmetros para entendermos o tamanho e a complexidade na organização dos serviços para garantir acesso hierarquizado e de qualidade.
O Estado de São Paulo tem grandes Hospitais de Clínicas. São hospitais gerais e fundamentais no atendimento terciário e quaternário da saúde pública. Entretanto, todos estes hospitais foram idealizados e construídos em outros momentos tanto dos critérios epidemiológicos como populacionais de nosso estado.
Nas últimas décadas, muita coisa mudou e nossos hospitais de referência ficaram pequenos e não estão conseguindo, por mais que trabalhemos, dar vazão à demanda e a evolução tecnológica e científica, efervescentes, da área da saúde. Apenas o HC de São Paulo criou institutos especializados dentro de sua organização gerencial (INCOR, ICESP, etc.).
Em Campinas, por exemplo, o Hospital das Clínicas foi projetado e construído nas décadas de 1970 e 1980 quando a população de Campinas era de cerca de 350 mil habitantes.
Hoje, apenas em Campinas, somos mais de 1,2 milhão de concidadãos. Nosso HC é referência regional bem como recebe muitos pacientes de outras regiões do estado, de outros estados e até de outros países. O hospital sofre todos os dias com a pletora e a pressão de demanda.
A realidade é que estamos envelhecendo (crescente expectativa de vida) e isto é bom. Entretanto, temos sempre mais pessoas doentes e um aumento das doenças crônicas e degenerativas. Todos buscam, com absoluta legitimidade, o maior bem-estar, a melhoria na qualidade de serviços, a maior necessidade de prevenção, diagnóstico e tratamento (não apenas internações) e maior investimento em saúde (não apenas sua manutenção).
Em nossa cultura vigente, e isto ocorre em qualquer país do mundo, a saúde está em primeiro lugar como bem individual; os direitos à saúde em nosso país são universais; solicita-se cada vez mais e há, por vezes, expectativas milagrosas e até distorcidas sobre o sistema de saúde.
Em minha opinião, e talvez esteja sendo tímido em minha avaliação e esquecendo alguma área também prioritária, a RMC necessita de quatro Centros/Hospitais integrados monotemáticos para darmos um salto em nossas necessidades futuras: doenças cardiovasculares, oncologia (incluindo a hematologia), ortopedia/traumatologia e pediatria.
Os Centros Integrados e Hospitais monotemáticos são idealizados para atender os desafios de hoje, e os de amanhã.
Apresentam abordagem integrada multiespecializada e multidisciplinar, com especialistas dedicados fundamentalmente às suas especialidades e colaborando sinergicamente para os melhores resultados. Todas as suas atividades são baseadas em processos e cuidados integrados e são capazes de atualizar continuadamente e aplicar rapidamente novas abordagens e resultados de pesquisas.
São unidades que promovem a contínua formação de pessoal, atualizações e informações em todos os níveis para as especialidades envolvidas. O conceito fundamental é o de tratamento integrado e centrado no paciente. A organização e gestão são otimizadas a partir dos conteúdos, dos profissionais, da capacitação e da prática. Há maior eficiência na gestão da alta tecnologia envolvida. Há uma visão mais clara da evolução da medicina à luz da experiência de implementação e, acima de tudo, da gestão bem-sucedida de hospitais e centros de pesquisa avançados. Os resultados econômicos tendem a ser mais satisfatórios do que nas estruturas convencionais. As estruturas são pensadas para garantir organização e gestão eficientes. O foco está centrado no cuidado com o paciente que é igual a humanização dos serviços. Os “módulos” prediais, os sistemas e os equipamentos são os ideais para as atividades projetadas. A infraestrutura pode ser, em grande parte, compartilhada entre vários Centros, caso sejam construídos em mesmo espaço. As realidades projetadas, construídas e gerenciadas objetivam dar o melhor atendimento ao paciente, mas também respeitar as necessidades da comunidade. Deve haver grande atenção à inclusão do meio ambiente e a economia de energia.
Nestas unidades, há um cuidado extremo na distribuição de funções e de todo procedimento que envolve o tratamento, pesquisa, ensino e atendimento aos usuários.
Em resumo, esta proposta está caracterizada por: 1- Hospital, ambulatório e internação de caráter monotemático; 2- organização e gestão moderna e voltada às suas finalidades; 3- arquitetura modular e planejamento urbano; 4- sustentabilidade ambiental e; 5- valor econômico do projeto.
Nós não temos o direito de “pensar pequeno” dentro de nosso estágio de desenvolvimento e conhecimento técnico e científico. Nossos desafios para a saúde são enormes e crescentes. Devemos utilizar as informações epidemiológicas para tomar decisões de políticas públicas válidas e consequentes. Definir áreas prioritárias é fundamental ao sucesso futuro destas decisões políticas e econômicas. Os recursos de investimento para estes projetos existem e devem ser buscados pelos gestores e governantes. A sociedade precisa entender do que estamos falando e nos apoiar. Certamente valerá muito a pena.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020