Uma instituição de ensino histórica, capaz de transportar seus alunos através do tempo. É assim que a estudante Alanis Silva Prates enxerga a escola centenária onde estuda no bairro Botafogo. No mesmo prédio no qual a adolescente de 17 anos cumpre a rotina diária de aprendizado já passaram nomes como o de Alberto Santos Dumont, pai da aviação, Carlos Zara, ator, e Júlio de Mesquita, jornalista e fundador do jornal O Estado de S. Paulo, entre outras personalidades.
Trata-se do Culto à Ciência, símbolo cultural e arquitetônico de Campinas, que completa 150 anos de existência nesta quinta-feira (13), reforçando o valor de seu passado e inspirando novas gerações.
“Quando vejo as fotos, os memoriais e até mesmo as paredes eu fico pensando muito o privilégio que eu tenho de pisar no mesmo chão que Santos Dummont”, diz Alanis, referindo-se à escola pública mais antiga do Brasil funcionando no mesmo prédio desde a sua fundação, na rua também chamada de Culto à Ciência.
A restauração pelo qual passou o prédio entre 2007 e 2011 não afetou a arquitetura clássica francesa elaborada a partir do lançamento da pedra fundamental no dia 13 de abril de 1873. Inaugurada no dia 12 de janeiro do ano seguinte, a “Sociedade Culto á Sciencia”, conforme a grafia da época, era uma escola de meninos de propriedade da “Loja Maçônica Independência”. Com o tempo, foi incorporada ao município e, posteriormente, ao Estado.
A história marcada pela tradição, além da qualidade e rigor no ensino, inspirou documentários, livros e teses de doutorado sobre a instituição. Hoje, o psicanalista e ex-aluno da escola, Luís Eduardo Salvucci Rodrigues, de 68 anos, se aprofunda ainda mais na história do Culto à Ciência em pesquisas no Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo e diz que pretende escrever um livro com o material que está colhendo.
Salvucci estudou no Culto à Ciência de 1966 a 1972 e lembra que o ensino e a disciplina da escola eram referenciais para a época. “Para entrar, era necessário passar por um exame admissional, uma prova para a qual os alunos se preparavam em cursinhos, muitas vezes de forma exclusiva durante o ano”, lembra, reforçando a forte concorrência que existia para alcançar uma vaga. E quem conseguia entrar, precisava estudar, destaca. “O aluno que repetisse por dois anos a mesma série era jubilado, ou seja, não era mantido na instituição.”
Segundo Salvucci, o alto nível do ensino da escola é exemplificado pela trajetória dos alunos que de suas cadeiras saíram, nomes como da atriz Regina Duarte, Lix da Cunha, engenheiro e arquiteto, Guilherme de Almeida, poeta, entre outros. “Muitos de nós entramos nas melhores faculdades do país sem fazer cursinho”, relata o psicanalista, formado em psicologia na USP-Ribeirão Preto e que mora em São Paulo.
Para ele, um dos pilares que sustentavam a educação avançada era a qualidade dos professores, marcada pela sabedoria e experiência. “Difícil destacar apenas um professor da época que estudei. Começaria pelo de matemática, Amaury Frattini, que faleceu há poucos anos. Foi vereador da cidade. A irmã dele também era professora de matemática do colégio, a Dona Auzenda. O de português, Sabino, ainda está vivo. Eu gostava muito também da professora de filosofia, Margot Proença, mãe da Maitê Proença.”
Hoje, Salvucci ainda acompanha o dia a dia do Culto à Ciência como um colaborador voluntário da direção e se nega a desvalorizar o ensino atual da escola quando comparado ao do passado. Pelo contrário.
“Muitos ex-alunos mais antigos têm a ideia de que a educação da época deles é que era boa e hoje é muito ruim. Eu não concordo, falando especificamente do Culto à Ciência. Acompanhei recentemente o trabalho de alguns professores que supervisionaram projetos de alunos premiados em feiras de ciências nacionais e em Abu Dhabi. Vi a dedicação e entusiasmo desses professores e a boa energia que havia no grupo. Pensando em qualidade de ensino, o fato de alunos terem sido premiados em feiras internacionais de ciências não é um índice de qualidade? Claro que é. O clima que vejo na escola, toda vez que vou lá, é muito bom. Quem passa na porta das classes vê grupos interessados nas aulas.”
O Culto à Ciência atualmente é uma escola de ensino médio integral com 560 alunos divididos em 14 turmas.
Diretor da instituição desde 2018, Glauber Maldonado Ferreira, de 41 anos, diz que o desafio é incentivar os estudantes ao protagonismo. “Valorizamos os projetos que a escola realiza em torno da arte e da ciência no sentido de preparar os alunos para a vida”, diz.
A estudante Alanis, que está no terceiro ano, diz que a adaptação às transformações de modelo de educação no ensino médio é um dos desafios, mas vê o Culto à Ciência integrado às novas exigências. “Os professores estão dispostos a nos ajudar e a construir bons trabalhos. Está dando certo.”
Depois de uma semana marcada por eventos na escola, o dia desta quinta-feira será dedicado a exposições, apresentações e inauguração de placa comemorativa a partir das 17h.
E as celebrações projetam também sonhos, como o de Alanis, que quer ser cineasta. A aluna que celebra o fato de estudar na mesma escola por onde passou Santos Dumont, quem sabe também um dia não possa ser fonte de inspiração de futuros aprendizes? Se depender da tradição, Alanis está no lugar certo.